Foto: ICNF

Nasceu o primeiro lince-ibérico em liberdade em Portugal

Pela primeira vez em cerca de 40 anos está confirmado o nascimento de uma cria de lince-ibérico na natureza em Portugal. O esforço para travar o desaparecimento desta espécie entrou hoje numa nova fase.

 

O Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) anuncia, em comunicado que hoje, dia 5 de Maio, se “confirmou a existência da primeira ninhada de lince-ibérico no Parque Natural do Vale do Guadiana.”

 

 

De acordo com a informação enviada à Wilder, “foi fotografada uma cria de cerca de 45 dias acompanhando a sua progenitora, Jacarandá, a primeira fêmea a ser solta em Portugal no dia 16 de Dezembro de 2014.”

A cria e a mãe foram identificadas através dos procedimentos de monitorização instalados na Herdade das Romeiras pela equipa de seguimento.

 

 

O ICNF considera este acontecimento como “um marco na conservação do lince-ibérico, uma vez que é a primeira reprodução em ambiente natural com êxito comprovado em território nacional desde há décadas.”

 

 

Segundo o mais recente censo às populações de lince-ibérico, existiam em 2015 um total de 10 linces a viver no Parque Natural do Vale do Guadiana. Destes 10, quatro são fêmeas territoriais.

 

O que é que isto significa?

 

Sentimentalismos à parte, o nascimento de uma cria de uma espécie em perigo de extinção é sempre especial. Mas o nascimento da cria da Jacarandá é ainda mais. Desde os anos 80 que não se sabia de nascimentos desta espécie no nosso país. Nesses anos, o lince parecia estar condenado a desaparecer, silenciosamente, apesar de se estimar terem existido 100.000 indivíduos no século XIX.

Os nascimentos em Portugal começaram em 2010. Em cativeiro. Seis meses depois da inauguração do Centro Nacional de Reprodução do Lince-ibérico (CNRLI), nasceram duas crias, a 4 de Abril. Era a primeira reprodução comprovada em Portugal nos últimos 30 anos. Mas as crias acabaram por morrer dias depois por causa de problemas congénitos. No ano seguinte, nasceram cinco crias em Silves mas nenhuma sobreviveu.

Em 2012, nasceram e sobreviveram as primeiras ninhadas em Portugal, em cativeiro. E Jacarandá foi uma dessas primeiras crias, filha de Flora e Foco (dois dos 20 linces adultos que vivem hoje no centro de Silves).

Esta fêmea voltou a ser notícia no dia 16 de Dezembro de 2014, ao ser o primeiro lince-ibérico a ser reintroduzido na natureza em Portugal, na região de Mértola, no âmbito de um dos maiores projectos de conservação da Europa, para recuperar os territórios históricos da espécie Lynx pardinus.

Para a maioria de nós, foi essa a última vez (e talvez a primeira) que vimos Jacarandá, através das imagens de televisão que a mostravam no momento da libertação, nos campos do Alentejo. Estava dentro de uma jaula de grades verdes e trazia uma coleira vermelha de GPS ao pescoço. Assim que a porta se abriu, não esperou um segundo e saiu a correr para a liberdade.

Hoje voltámos a ter notícias suas. Jacarandá foi mãe de uma cria, na natureza.

Neste momento, o projecto Iberlince aposta no reforço das populações de linces na natureza com animais nascidos e treinados em cativeiro. As reintroduções começaram em 2012 na Andaluzia (nas zonas de Guarrizas e Guadalmellato) e, em 2014, estenderam-se a outras regiões da Península Ibérica (Vale do Guadiana – em Portugal -, Castela-La Mancha e Extremadura).

Este ano já há notícia de que, pelo menos, três fêmeas reintroduzidas na natureza tenham dado à luz nove crias: Keres (nascida no centro de reprodução de Granadilla) teve quatro crias e Kuna (nascida no CNRLI) teve outras quatro, ambas em Castela-La Mancha. Agora, é a vez de Jacarandá, no Vale do Guadiana.

Com esta cria em Portugal “confirma-se a reprodução de animais em todas as áreas de reintrodução do Programa LIFE+ Iberlince”, salienta o ICNF, um êxito que considera “da maior importância e significado”.

 

Lince fora de perigo?

 

O nascimento da cria da Jacarandá é um passo em frente nesta corrida conservacionista. Mas o lince-ibérico ainda está em perigo.

A 22 de Junho de 2015, a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) decidiu retirar a espécie da categoria “Criticamente em Perigo” e passá-la para a categoria “Em Perigo”. Dos 52 linces-ibéricos adultos em 2002 existiam 156 em 2012. Actualmente estima-se que existam 404 linces-ibéricos no planeta, mais concretamente em Portugal e Espanha.

Hoje há duas populações estáveis em Espanha, mais concretamente Doñana-Aljarafe e Cardena-Andújar. Além destas têm sido reintroduzidos linces em quatro outras regiões para tentar criar novas populações: Guadalmellato (Córdova) e Guarrizas (Jaén), ambas na Andaluzia, Hornachos-Valle del Matachel (Extremadura espanhola), Campo de Calatrava e Montes de Toledo (Castela-La Mancha) e no Vale do Guadiana (Portugal).

Ainda assim, o trabalho de conservação não está terminado. “Devemos continuar o nosso esforço de conservação para garantir a expansão da espécie e o crescimento das populações no futuro” disse no ano passado à Wilder Urs Breitenmoser, co-presidente do Grupo de Especialistas em Felinos da Comissão da Sobrevivência das Espécies da UICN. Pode ler aqui a entrevista na íntegra.

Para Javier Calzada, um dos dois assessores no processo de alteração da categoria do Lynx pardinus na Lista Vermelha da UICN, as maiores ameaças ao lince-ibérico são “a falta de habitat adequado para manter populações silvestres viáveis; os problemas de conservação da sua principal presa, o coelho-bravo; e a mortalidade por causas não naturais, como atropelamentos e caça furtiva.” Este perito disse à Wilder que “também é preciso ter em conta as novas ameaças, como por exemplo as alterações que se avizinham na distribuição e extensão do matagal mediterrânico devido às alterações climáticas.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra o que as equipas no terreno estão a fazer para seguir os 15 linces-ibéricos que vivem no Parque Natural do Vale do Guadiana e saiba o que fazer quando vir um lince-ibérico.

O que andará a cria de Jacarandá a fazer?

Saiba como nasce um lince-ibérico, conheça os veterinários, video-vigilantes, tratadores e restante equipa do Centro Nacional de Reprodução (CNRLI) em Silves e descubra onde pode observar linces na série Wilder “Como nasce um lince-ibérico”, que estamos a publicar.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.