Cria de abutre-preto na Herdade da Contenda. Foto: LPN

Nasceu um abutre-preto no Alentejo pela primeira vez em 40 anos

A cria tem cerca de dois meses e está aos cuidados do seus progenitores, um dos dois casais a nidificar no Alentejo, na Herdade da Contenda, concelho de Moura. Este é o terceiro núcleo reprodutor em Portugal desta espécie Criticamente em Perigo de extinção.

 

O casal está a utilizar um dos 12 ninhos artificiais para abutre-preto (Aegypius monachus) instalados há cerca de três anos pela Liga para a Protecção da Natureza (LPN) na Herdade da Contenda, no âmbito do Projecto Life Lince Abutre (de Janeiro de 2010 a Setembro de 2014), foi hoje revelado.

A nidificação de dois casais desta espécie, a maior ave de rapina da Europa, foi detectada em Março. Um deles tem agora uma cria, que deve começar a voar em Agosto. “Isto significa que conseguimos concretizar um dos principais objectivos daquele projecto: que o abutre-preto voltasse a fixar-se no Alentejo”, disse Eduardo Santos, um dos responsáveis do projecto na LPN, à Wilder.

Em Portugal, o abutre-preto apenas nidifica no Tejo Internacional (12 casais) e no Douro Internacional (um casal). Os dois casais em Moura serão um terceiro núcleo reprodutor.

Há muito que se sabe que na Andaluzia, bem perto da Herdade da Contenda, existe uma colónia com cerca de 100 casais de abutre-preto. Aquela é a maior colónia de abutre-preto na Andaluzia, mas não de Espanha (existem colónias maiores, por exemplo, na Extremadura). “Não temos forma de saber mas muito provavelmente estes dois casais que se fixaram no Alentejo vieram dessa colónia”, acrescentou Eduardo Santos.

Agora, o nascimento desta cria “representa mais um passo para o regresso da espécie a uma área de ocorrência histórica”, abrindo talvez a porta a que outros casais se juntem a este núcleo da Herdade da Contenda.

Neste momento, os progenitores estão activamente empenhados em alimentar a sua cria. “Logo no início fica sempre um dos adultos no ninho mas agora já saem os dois, apesar de um deles se manter sempre por perto. Vão-se revezando e, à vez, trazem o alimento no papo, que regurgitam para a cria se alimentar”, explicou Eduardo Santos.

Porquê a Contenda?

Estas aves são muito fiéis aos locais e às colónias onde nasceram e, por isso, não é fácil criar novos núcleos reprodutores, acrescentou. Mas na sua opinião, a Contenda – herdade com 5300 hectares e propriedade do município de Moura – consegue reunir um pacote de “atractivos” para a espécie. “Tal como todos os abutres-pretos da Península Ibérica, estes só nidificam em árvores de grande porte (os ninhos são muito grandes e pesados), em locais sossegados e onde a vegetação é abundante. Esta herdade consegue reunir essas condições.”

Além disso, há alimentação disponível. “Para se alimentarem, estas aves necrófagas percorrem, normalmente, entre 50 a 60 quilómetros. Mas para este sucesso muito contribuiu a rede de dez campos de alimentação”, seis na zona de Moura-Mourão-Barrancos (um dos quais na Contenda) e quatro no Vale do Guadiana. Nesta época de nidificação este é um factor particularmente importante. “É crucial na alimentação das crias os abutres terem alimento disponível e seguro, isto é, que não esteja envenenado”, acrescentou.

Esta é uma ameaça bem real. Ainda a 9 de Maio foram encontrados mortos quatro abutres-pretos junto ao rio Angueira, numa zona de caça em Miranda do Douro, em Trás-os-Montes, revelou a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza. Suspeita-se de envenenamento.

“O veneno é uma ameaça incomportável. Se pensarmos que cada casal só põe um ovo por ano, e que nem todos os anos se reproduzem, quanto tempo levará para serem repostos aqueles quatro indivíduos?”, questionou Eduardo Santos.

Quanto ao núcleo da Herdade da Contenda, o futuro pode ser promissor. “A Herdade da Contenda tem sido crucial para conseguirmos as condições para a nidificação, quer a nível de sossego, quer a nível da disponibilidade de alimento e de monitorização”, salientou Eduardo Santos.

“A Contenda ainda tem espaço para um bom número de casais e o mesmo acontece com as herdades circundantes”, acrescentou Eduardo Santos. “O abutre-preto é um animal gregário e pode ser que, no futuro, outros casais se juntem a estes e que o núcleo aumente devagar, como uma mancha de óleo.”

 

[divider type=”thin”]Agora é a sua vez.

Eduardo Santos, da LPN, e Gonçalo Elias, do portal Aves de Portugal, dão-lhe as dicas que o vão ajudar a observar abutres-pretos. Leia tudo aqui.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.