O sisão é uma das espécies que poderão ser mais afectadas pela construção da barragem, afirma a C6. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

Nove espécies de aves em declínio acentuado em Portugal

O mocho-galego e a rola-brava são duas das espécies de aves que, nos últimos anos, registaram declínios acentuados no nosso país, revela hoje o Estado das Aves de Portugal.

Compreender o que está a acontecer às aves do nosso país é o grande objectivo do 1º Estado das Aves de Portugal.

Este documento – lançado hoje pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (Spea) – reúne pela primeira vez os resultados actualizados de 18 censos e programas de monitorização de aves.

Tudo graças ao esforço de centenas de voluntários por todo o país ao longo de mais de 15 anos.

A situação geral é “preocupante” e há “dados alarmantes que exigem resposta urgente”, avisa a Spea.

Os maiores problemas para as aves são a “degradação dos meios rurais e a intensificação da agricultura” – que coloca “muitas espécies em queda livre” – ou ainda a captura acidental nas pescas e a poluição luminosa.

“Sabemos as causas da maioria destes declínios; se não agirmos já para as travar estamos a colocar em risco a natureza e a qualidade de vida dos nossos filhos e netos”, diz Domingos Leitão, director-executivo da Spea.

Segundo o Estado das Aves de Portugal 2019, estas são as nove espécies de aves com os declínios mais acentuados:

Rola-brava (Streptopelia turtur):

Rola-brava (Streptopelia turtur). Foto: Kev Chapman/Wiki Commons

A população de rola-brava diminuiu 80% nos últimos 15 anos. Esta espécie era abundante em Portugal no início dos anos 80 do século passado. Desde então têm sido registados “decréscimos populacionais significativos”, tanto em Portugal como em Espanha e em outros países europeus. A Spea aponta como causas para este declínio acentuado a destruição dos habitats nos locais onde inverna, a intensificação agrícola, a degradação dos habitats de nidificação e de alimentação e a caça.

Picanço-barreteiro (Lanius senator):

Picanço-barreteiro. Foto: MinoZig/WikiCommons

O picanço-barreteiro já estava em declínio em 2011 e assim tem continuado. Esta espécie, características de meios florestais, apresenta uma tendência populacional negativa acentuada.

Mocho-galego (Athene noctua):

Mocho-galego. Foto: Trebol-a/WikiCommons

Esta é uma espécie residente em Portugal, que tem revelado uma evolução populacional negativa. É uma das aves apontadas como registando um declínio acentuado pelo relatório apresentado hoje pela Spea. Assim como o alcaravão, esta espécie surge associada a meios agrícolas tradicionais e extensivos e está a ser afectada pela intensificação agrícola, mais concretamente pelo uso de pesticidas e pelas monoculturas intensivas.

Alcaravão (Burhinus oedicnemus):

Alcaravão. Foto: Artemy Voikhansky/Wiki Common

Esta ave está classificada como Vulnerável no nosso país e é uma das duas espécies avaliadas pelo NOCTUA – Monitorização de Aves Nocturnas em Portugal a registar um declínio acentuado, entre os anos 2010 e 2019. A outra é o mocho-galego. É uma espécie associada a meios agrícolas tradicionais e extensivos e está a ser afectada pela intensificação agrícola, mais concretamente pelo uso de pesticidas e pelas monoculturas intensivas.

Tartaranhão-cinzento (Circus cyaneus):

fêmea de tartaranhão-azulado em voo
Fêmea de tartaranhão-cinzento (Circus cyaneus). Foto: Rob Zweers/Wiki Comuns

O tartaranhão-cinzento, espécie invernante pouco comum e um nidificante raro em Portugal, é uma das espécies que apresenta uma “preocupante tendência regressiva”, segundo o Estado das Aves de Portugal. A intensificação da agricultura, o sobrepastoreio e a destruição dos habitats onde se alimenta e onde pernoita, em grupos, são algumas das maiores ameaças a esta espécie.

Sisão (Tetrax tetrax):

Sisão. Foto: Pierre Dalous/Wiki Commons

Existe hoje metade dos sisões que havia há uma década. Esta ave tem vindo a sofrer declínios populacionais desde 2004/2005. Se em 2003-2006 (primeiro censo nacional para esta espécie, coordenado pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, ICNF, e Spea) foram registados 17.419 machos reprodutores, já no censo de 2016 foram registados apenas 8.900. Entre as principais ameaças a esta espécie estão a intensificação agrícola, a perda e fragmentação do habitat e a colisão com linhas eléctricas.

Galheta ou corvo-marinho-de-crista (Phalacrocorax aristotelis):

Corvo-marinho-de-crista ou galheta. Foto: Andreas Trepte/WikiCommons

Em apenas cinco anos, o maior núcleo reprodutor de galheta do nosso país (nas Berlengas) diminuiu cerca de 25%, apesar de ter aumentado o número de casais nas falésias da Serra da Arrábida. Nas Berlengas, o número de casais diminuiu de 82 em 2012 para 62 em 2017.

Milhafre-real (Milvus milvus):

Milhafre-real (Milvus milvus). Foto: Hansueli Krapf/Wiki Commons

Esta é uma das aves de presa mais ameaçadas de Portugal. A população reprodutora está classificada como Criticamente Em Perigo de extinção; a população invernante tem estatuto de Vulnerável. O censo realizado em 2017 aos milhafres-reais invernantes registou entre 2.136 e 2223 indivíduos; em 2018 foram registados 1.441 e em 2019, apenas 696. Ainda assim, o relatório sublinha a necessidade de continuar a acompanhar esta espécie para perceber se existe mesmo uma tendência negativa ou se este declínio se deve a um esforço menor nas amonstragens.

Cagarra (Calonectris borealis) no Farilhão Grande:

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Cagarras (Calonectris borealis). Foto: Frank Vincentz

Apesar de na ilha da Berlenga a população de cagarras ter aumentado ligeiramente em 2015, em comparação com censos anteriores, a verdade é que a espécie tem vindo a diminuir substancialmente no Farilhão Grande. É ali que ocorre a principal colónia de cagarra no arquipélago. “Neste ilhéu, uma grande percentagem dos ninhos tem sido alvo de predação pela gaivota-de-patas-amarelas”, explica o relatório. Entre 2015 e 2018, 83% dos casais reprodutores da ilha da Berlenga produziram a sua cria com sucesso, enquanto que no Farilhão Grande este valor caiu para cerca de metade, não tendo ultrapassado os 43%. Nos ninhos muito expostos e pouco protegidos das gaivotas, “o sucesso reprodutor é mesmo próximo de 0”. A viabilidade da população pode estar em causa, alerta a Spea.

A par destas espécies com declínios acentuados, o Estado das Aves de Portugal refere outras 32 espécies que têm declínios moderados. Entre estas estão o pintassilgo, a andorinha-das-chaminés, o abelharuco, o pardal-comum, o cuco, a águia-de-asa-redonda, a coruja-das-torres e a perdiz.

Além disso, acrescenta o relatório, “têm sido registados cada vez menos pardelas-baleares, tordas-mergulheiras e alcatrazes nos nossos mares, enquanto na nossa costa o número de pilritos-das-praias contado tem também vindo a diminuir ao longo da última década”.


Saiba mais.

Conheça as espécies cuja situação tem vindo a melhorar, de acordo com o relatório sobre o Estado das Aves em Portugal.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.