Novo relatório mostra que a vida selvagem regressará se lhe dermos espaço para recuperar

Foto: Anja Odenberg/Pixabay

Ursos, bisontes, castores, lobos, linces, águias e baleias estão entre os animais que poderão regressar à Europa de forma mais consistente, revela um relatório que analisou 50 espécies europeias. Muitas delas têm vindo a voltar nos últimos 40 a 50 anos.

O relatório “European Wildlife Comeback”, divulgado a 27 de Setembro, descobriu que as populações de algumas espécies selvagens europeias aumentaram – tanto em tamanho como em área de distribuição – nos últimos 40 a 50 anos.

Encomendado pela Rewilding Europe e compilado pela Sociedade Zoológica de Londres, Birdlife International e pelo Conselho Europeu para o Censo das Aves, o relatório é uma actualização de um outro publicado em 2013, “Wildlife Comeback in Europe“.

Dos mamíferos abrangidos por este novo relatório, o castor-europeu (Castor fiber), a foca-cinzenta (Halichoerus grypus) e o bisonte-europeu (Bison bonasus) registam os regressos mais expressivos.

Quanto às aves, o ganso-de-faces-brancas (Branta leucopsis), o grifo (Gyps fulvus), a garça-branca-grande (Ardea alba) e o pelicano-crespo (Pelecanus crispus) também estão a recuperar bem.

Segundo os autores do relatório, entre as razões para estes aumentos populacionais estão a protecção legal através das directivas europeias Aves e Habitats, as alterações nas políticas e no uso dos solos, e a gestão e conservação de espécies, incluindo o rewilding.

O lobo-cinzento (Canis lupus), por exemplo, está a recuperar em várias zonas da Europa e a recolonizar áreas onde os humanos permitem a sua presença. A União Europeia está a encorajar fortemente a coexistência entre lobos e humanos oferecendo financiamento para medidas de prevenção como vedações e cães de gado, bem como para compensações aos agricultores e criadores de gado pela predação do lobo. Depois de décadas de declínio, as populações europeias de abutres também estão a recuperar, em larga medida por causa de alterações à legislação da União Europeia e a projectos de conservação e gestão intensiva.

“Este relatório mostra que a conservação da natureza resulta, que ainda é possível salvar espécies ameaçadas. Em Portugal temos o exemplo disso com o priolo, uma ave que só existe nos Açores, e que conseguimos salvar da extinção, e com a Berlenga, onde conseguimos restaurar o ecossistema natural da ilha para que ela volte a ser um refúgio para as aves marinhas”, diz Domingos Leitão, diretor executivo da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).

Estas recuperações actualmente em curso e descritas neste relatório são “encorajadoras”. Contudo, uma análise aprofundada mostra que o regresso da vida selvagem à Europa ainda é altamente frágil. As populações de algumas espécies, incluindo a lontra-europeia (Lutra lutra) e o abutre-preto (Aegypius monachus), têm vindo a diminuir.

Além disso, os resultados deste relatório precisam de ser vistos no contexto de grandes contracções históricas nas áreas de distribuição de muitas espécies.

Olhando para o futuro, os autores do relatório consideram ser crucial compreender por que razão algumas espécies estão bem para que possamos dar a todas as espécies as melhores oportunidades para conseguirem regressar e adaptar-se a factores externos como as alterações climáticas.

“Este novo relatório não só tornar mais claro que espécies selvagens europeias estão a recuperar bem mas também por que razão estão a recuperar”, comentou Frans Schepers, director-executivo da Rewilding Europe.

“Ao aprendermos com as histórias de sucesso conseguimos maximizar o regresso da vida selvagem por toda a Europa. O relatório também mostra que devemos trabalhar muito e em muitas frentes para manter esta recuperação e para permitir que mais espécies beneficiem de tudo isto”.

Hoje, muitas paisagens europeias estão completamente desprovidas de vida selvagem. E quando a vida selvagem começa a regressar, enfrenta vários desafios. Isto acontece em particular com grandes carnívoros como os ursos e os lobos, muitas vezes entendidos como uma ameaça para as pessoas e outros animais.

Ainda assim, os benefícios da recuperação da vida selvagem ultrapassam em muito os prejuízos, defende o relatório. “Acelerar e expandir o regresso da vida selvagem à Europa pode melhorar a saúde e funcionamento de ecossistemas inteiros, trazendo um grande pacote de benefícios para a natureza e para as pessoas, desde a melhoria das economias rurais através da observação da vida selvagem à melhoria da saúde e do bem-estar.”

Os autores do relatório defendem que existem “oportunidades entusiasmantes para adoptar abordagens de rewilding”.

Para assegurar o regresso da vida selvagem é crucial “uma protecção legal mais forte, um reforço da conectividade das paisagens, esforços para melhorar a coexistência entre humanos e vida selvagem, mais monitorização e investigação e mais translocações de animais”. E todos têm um importante papel a desempenhar, desde cientistas a empresários e cidadãos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.