“O entusiasmo é o combustível da nossa criatividade”

Desenhar pode ser um vício, mas um vício saudável, e uma necessidade vital. O ilustrador espanhol Francisco Hernández falou connosco sobre o papel que tem na sua vida desenhar a natureza e sobre a importância que pode ter para qualquer pessoa.

 

 

Wilder: Quando começou a desenhar?

Francisco Hernández: Comecei a desenhar como todas as pessoas, quando era criança. Gostava muito de desenhar e tive a sorte de ter pais e professores que me acompanharam na minha motivação. Encantava-me ir para o campo, de modo que rapidamente estas duas paixões se juntaram.

Estudei Biologia e, de forma autodidata, fui melhorando a minha técnica de desenho e pintura. Durante dez anos trabalhei como biólogo de conservação de grandes aves de rapina e também colaborei em diversos projectos relacionados com a conservação das aves das zonas húmidas e de passeriformes. Compatibilizava este trabalho com a minha faceta artística. Dediquei muito tempo a observar a natureza. Em 2007 decidi dedicar-me em exclusivo à ilustração e à pintura naturalista e investir a maior parte da minha energia a passar para o papel tudo o que tinha tido oportunidade de contemplar durante anos no campo.

 

 

W: O que significa o desenho de campo para si?

Francisco Hernández: Desenhar é como uma espécie de vício saudável, uma necessidade vital. Absolutamente. Observar e compreender o que vês, a cor, a textura. Traduzi-lo para o papel. Observar a vibração da cor, o contorno desfocado dos objectos quando se interpõe o ar entre eles e o teu olhar, o movimento, o valor relativo das luzes e das sombras.

Trata-se de uma linguagem e, com o tempo, acabamos por criar o nosso próprio dialecto. E falar, dialogar com a natureza através da cor, do traço, é a minha necessidade. Sinto-me afortunado por poder dedicar-me profissionalmente a algo que tanto me apaixona. Creio ainda que a natureza é a nossa verdadeira casa, ainda que vivamos em cidades. Considero uma responsabilidade da minha área de trabalho como ilustrador recordar que o valor daquilo que pinto não reside apenas na beleza estética mas na sua simples existência. Estamos obrigados a proteger e a conservar o nosso meio, pelo simples facto de que precisamos dele para continuar a viver neste frágil planeta.

 

W: Achas que qualquer pessoa consegue desenhar?
Francisco Hernández:
Acredito que existe algo que é inato em todos os seres humanos, que é a nossa tendência para nos expressarmos, não apenas através da palavra mas também através do desenho. São manifestações da nossa criatividade. Fazemo-lo ao escrever, desenhando símbolos sobre o papel que têm o seu próprio significado. Qualquer pessoa que possa escrever de forma legível está a desenhar e tem o potencial para melhorar a sua capacidade para desenhar. Mas desenhar algo que não só palavras, sem um fim concreto, liga-nos directamente a algo muito mais profundo. Olhem para uma criança pequena a desenhar num papel. Entusiasma-se enquanto desenha, enquanto brinca. O entusiasmo é o combustível da nossa criatividade. O que posso dizer é que brincar é importante mesmo que já não sejamos crianças. Desenhar é um modo de brincar com a nossa criatividade e a natureza é um campo de jogos quase infinito e onde qualquer ser humano encontra, sem esforço, a beleza.

 

[divider type=”thin”]Francisco Hernández esteve em Maio na Costa Vicentina, um lugar que o apaixona. Pode ver aqui alguns dos seus desenhos e aguarelas e ficar a saber qual a missão deste ilustrador naturalista naquele lugar.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.