Foto: Sidónio Paes
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O regresso dos golfinhos ao Tejo

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Desde 2020 que uma família de golfinhos-comuns tem frequentado o rio Tejo. É habitual observarem-se estes cetáceos junto da barra do forte de São Julião entre o início da Primavera e o final do Verão. O que não se via há algumas décadas eram as suas procissões rio acima até ao Parque das Nações, ou mesmo até Alverca.

Os carismáticos cetáceos fazem parte de uma família composta por mais de 30 indivíduos que se podem caracterizar por adultos machos e fêmeas, juvenis e até crias recentes. Este grupo foi registado a entrar e a sair do rio Tejo diariamente desde Maio até meados de Setembro de 2020. Curiosamente, à data de hoje, foram avistados golfinhos no Tejo três vezes em 2021. Contudo, por haver avistamentos insuficientes ou registos fotográficos de qualidade (Foto ID), não podemos para já afirmar que haja indivíduos do mesmo grupo do ano passado.

Alguns barcos mais curiosos, como veleiros, iates, cacilheiros e outras embarcações, foram registando estes avistamentos durante os seus percursos e registando-os nas redes sociais, fenómeno que se tornou viral e capa de revistas nacionais e internacionais.

Quais são as razões?

Como biólogo marinho e gerente da SeaEO Tours, trabalho com golfinhos desde 2008. Sabe-se que o som emitido pelos motores de barcos e navios interfere com a comunicação dos mamíferos marinhos. A diminuição de tráfego marítimo no rio, devido à pandemia, permitiu aos golfinhos aproveitarem para procurar novos locais de caça ou abrigo.

Também se sabe que aumentou a disponibilidade de alimento (sardinha, cavala, carapau ou outros peixes pelágicos) nestas águas durante o ano de 2020. E de acordo com a Câmara Municipal, as águas de Lisboa estão cada vez mais limpas, menos poluídas. Por ter várias baías abrigadas, o Estuário do Tejo alberga inúmeros habitats e condições ideais para procurar alimento e também para o desenvolvimento de crias, já que foram avistados bastantes recém-nascidos.

Foto: Sidónio Paes

Em 2019, foram observados golfinhos-comuns seis vezes dentro do rio Tejo (para cá da Barra de S. Julião). Em 2020, foi raro o dia que não se avistaram golfinhos-comuns por estas águas em seis meses de trabalho, desde Maio. Contudo, existe um padrão de movimento deste grupo, que habitualmente se desloca com a subida e descida das marés. 

Peixes-lua, atuns e tubarões

Curiosamente, também avistámos dois peixes-lua perto de Algés em dias diferentes, atuns aos saltos fora de Paço d’Arcos e um tubarão-azul juvenil em Caxias.

Após o tratamento e interpretação dos dados de avistamentos, sabemos que em 2020, comparando com os anos anteriores, o esforço de avistamento foi muitíssimo inferior. Por exemplo, em 2019, chegámos a demorar mais de uma hora à procura de um grupo de cetáceos; já em 2020, conseguimos avistar um grupo dois minutos depois de sairmos da Doca de Santo Amaro, em Lisboa.

Apesar de os termos tão perto, é nossa responsabilidade – enquanto biólogos e porta-vozes dos oceanos – saber quando estamos a incomodar estes golfinhos através da interpretação do comportamento de alguns indivíduos. Por essa razão, é necessária uma abordagem extremamente sensível na presença destes magníficos animais selvagens, seguindo o código de conduta obrigatório (ICNF) que concede a Autorização de Observação de Cetáceos às empresas marítimo-turística e centros de investigação.

Com outras ocorrências, como a entrada de golfinhos na marina de Cascais, um tubarão-frade em Sesimbra, orcas ao largo da Costa de Caparica, tubarão-martelo fora do Meco, concluímos também que a biodiversidade marinha em 2020, na qual se inclui a megafauna (Cetáceos), se (re)apoderou do espaço que na verdade é seu.

Infelizmente, nem tudo são boas notícias. Sabemos hoje que, por ano, dá à costa ou arroja um cetáceo por dia em Portugal. Por vezes arrojam golfinhos-comuns ou golfinhos-riscados com a barbatana caudal cortada, presumivelmente vítimas de artes de pesca ou interações com pescadores. Os sacos de plástico encontrados nos conteúdos estomacais de baleias são uma realidade cada vez mais frequente.

É por isso mais importante que nunca a promoção da conservação da biodiversidade marinha, seja por operadores marítimo-turísticos que desenvolvam atividades de sensibilização ambiental e turismo sustentável, bem como através de campanhas de educação ambiental com a sociedade civil, na qual as organizações não governamentais de ambiente têm um papel fundamental. Acredito que Portugal poderá ter uma papel preponderante na manutenção e gestão de recursos marinhos a nível europeu, já que temos a terceira maior Zona Económica Exclusiva e o nosso bem-estar está intimamente dependente da saúde dos Oceanos.


Sobre o autor

Sidónio Paes é biólogo marinho e sócio-gerente da empresa SeaEO Tours


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