um louva-a-deus
Louva-a-deus-dos-olhos-pontiagudos (Apteromantis aptera). Foto: Rui Félix

Olival superintensivo em Serpa ameaça louva-a-deus raro

Era quase meia-noite. Em Serpa, na Herdade do Peixoto, investigadores do Tagis/cE3c observavam insectos numa armadilha luminosa, numa acção com alunos de uma escola secundária local, quando depararam com uma espécie rara de louva-a-deus. Mas este pode ter sido o primeiro e último registo do louva-a-deus-dos-olhos-pontiagudos neste local, avisam.

 

Os terrenos da Herdade do Peixoto, que antes funcionavam como reserva de caça, foram vendidos e estão a ser ocupados por um olival superintensivo, alertou esta semana o Tagis – Centro de Conservação das Borboletas de Portugal, em comunicado.

Foram encontradas mais de 50 espécies de insectos durante a acção de educação ambiental, realizada em Junho pelo Tagis e pelo cE3c – Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. “A grande surpresa foi, no entanto, encontrar esta espécie rara num local onde a vegetação tinha sido recentemente arrasada e a terra totalmente revolvida”, indica a mesma nota.

 

Grupo de alunos no meio de uma planície de terra castanha
Aspecto da Herdade do Peixoto, já em fase de conversão para um olival superintensivo. Foto: Rui Félix

 

O louva-a-deus-dos-olhos-pontiagudos, ao contrário de grande parte dos louva-a-deus, não tem asas. É uma espécie endémica do Centro e Sul da Península Ibérica e em Portugal, até agora, tinham sido registadas apenas 12 observações – a primeira em 2007, em Castro Marim, disse à Wilder uma das investigadoras presentes na actividade, Eva Monteiro, ligada ao Tagis.

Este insecto é uma das oito espécies de louva-a-deus que até hoje foram registadas para Portugal. Está protegido pelo Anexo II da Directiva Habitats, ligada à “preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens”, que identifica plantas e animais cuja conservação é prioritária para a biodiversidade europeia.

Segundo os investigadores, tanto o louva-a-deus-de-olhos-pontiagudos como as outras espécies encontradas “terão sobrevivido em pequenas ilhas de vegetação nativa”, mas as suas populações estão “claramente ameaçadas” e teme-se que não resistam quando a nova exploração começar a funcionar.

 

um louva-a-deus
Louva-a-deus-dos-olhos-pontiagudos (Apteromantis aptera). Foto: Rui Félix

 

Um olival em modo de produção superintensivo tem habitualmente entre “900 a 2000 árvores por hectare”, o que leva à destruição da vegetação mediterrânica, da qual estas espécies dependem. Em causa está ainda a grande quantidade de pesticidas “habitualmente aplicados neste tipo de explorações agrícolas”, que são transportados pelo vento e pela água e “tendem a afectar a vida selvagem” mesmo além dos limites destas explorações agrícolas, alertam.

Por outro lado, uma vez que neste tipo de explorações a terra costuma ser revolvida a grande profundidade, aumentam os riscos e erosão e a velocidade de perda da matéria orgânica.

 

Precisa-se de mais protecção? 

Os investigadores ligados ao Tagis e ao cE3c asseguram que sim. E levantam a necessidade de ser criado um estatuto de protecção para esta zona, sublinhando que a presença de uma espécie protegida como o louva-a-deus-dos-olhos-pontiagudos na Herdade do Peixoto torna “urgente aplicar medidas de conservação destinadas à manutenção dos efectivos populacionais” desta espécie.

Mas não só. Quem monitoriza a biodiversidade em áreas como Beja e Serpa, e noutras regiões do país, apercebe-se de que está tudo a ser convertido em olivais e amendoais explorados em modo intensivo e superintensivo, disse Eva Monteiro à Wilder.

Mesmo fora de áreas protegidas no âmbito da Rede Natura 2000, como parece ser o caso da Herdade do Peixoto, devia haver regras claras relativas à mudança de uso do solo. “Nestas situações, os responsáveis deviam ter se assegurar a conservação de património natural”, alertou.

 

Informe-se melhor sobre a Directiva Habitats, aqui. E também sobre a Rede Natura 2000.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.