Onde viveriam as aves num mundo sem nós?

Uma equipa de investigadores estudou de que forma a agricultura, a destruição de zonas húmidas e a desflorestação moldaram quais os locais onde as aves vivem hoje no Reino Unido.

Os investigadores da Universidade de Durham, no Reino Unido, e da Royal Society for the Protection of Birds (RSPB), usaram dados da distribuição geográfica de várias espécies de aves e modelos de simulação para prever onde essas espécies existiriam hoje se os efeitos das actividades humanas fossem removidos da paisagem.

Águia-real. Foto: Chris Gomersall (rspb-images.com)

Neste cenário haveriam vencedores e vencidos entre as diferentes espécies de aves.

Segundo este estudo, 42% das 183 espécies de aves nidificantes consideradas têm hoje maior área de distribuição do que teriam num mundo sem humanos, em especial as aves associadas às zonas agrícolas.

Contrariamente, 28% das espécies – em especial as que vivem em zonas mais elevadas – são hoje muito mais raras do que seriam se não sofressem com os impactos das actividades humanas.

Os investigadores dizem que as suas conclusões, publicadas na revista Ecological Indicators, podem aplicar-se a outras partes do mundo.

“O nosso estudo sugere que as espécies de meios agrícolas, como a rola-turca e a perdiz-cinzenta, teriam uma menor distribuição sem os habitats abertos criados pela agricultura, enquanto as espécies de charnecas, como a águia-real, terão sido afectadas negativamente por anos de pastoreio, caça e actividade florestal”, explicou, em comunicado, Tom Mason, do Departamento de Biociências da Universidade de Durham mas agora no Instituto Ornitológico Suíço. 

Tetraz. Foto: Dave Braddock (rspb-images.com)

“Também descobrimos que as espécies que ocorrem em florestas densas, como o açor e o tetraz, estariam muito mais bem distribuídas num Reino Unido sem humanos, que seria muito mais florestado do que é hoje.”

Uma outra abordagem

Os gestores de conservação da natureza usam, muitas vezes, o tamanho populacional, baseado em distribuições passadas, para guiar os programas de recuperação de espécies.

Mas os investigadores neste artigo optaram por outra abordagem que usa como base não o tamanho de uma população mas sim o tamanho da sua área de distribuição potencial.

Os autores deste estudo defendem que a sua abordagem pode complementar os indicadores de risco de extinções a curto prazo, como a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

“Os nossos resultados poderão levar a reavaliações das actuais prioridades de conservação”, disse Stephen Willis, do Departamento de Biociências da Universidade de Durham e um dos autores do artigo. “Identificámos 21 espécies que não estavam classificadas como ameaçadas pela Lista Vermelha da UICN para o Reino Unido mas que têm distribuições muito menores hoje em relação às que previmos que pudessem ter na ausência de actividades humanas.”

Pernilongo. Foto: Steve Willis/Universidade de Durham

Isto sugere, continuou Stephen Willis, que “as suas áreas de distribuição estão mais degradadas do que pensávamos. Algumas destas espécies, como a águia-real, não estão abrangidas por nenhuma gestão activa para a conservação e poderiam ser candidatas a uma prioridade mais elevada”.

Os investigadores salientam que considerar apenas as recentes alterações no estado de uma espécie pode levar a um fenómeno onde as pessoas definem as suas expectativas com base nas experiências vividas durante o seu tempo de vida. Isto pode subestimar a luta de espécies que têm estado em declínio há bastante mais tempo, devido às actividades humanas.

Estudos anteriores têm tentado combater este fenómeno usando bases de dados históricas de séculos passados. Mas os registos históricos de espécies tendem a ser raros e são difíceis de aplicar a diferentes espécies.

Este estudo identificou ainda 10 espécies que não ocorrem hoje no Reino Unido mas que poderiam ter-se estabelecido no país na ausência de actividades humanas passadas. Por exemplo, os investigadores dizem que o borrelho-de-coleira-interrompida – que não se reproduz no Reino Unido desde meados do século XX – poderia ocorrer no Sudeste de Inglaterra se não houvesse actividade humana negativa.

Também a águia-rabalva – que hoje tem apenas uma pequena presença – e o pernilongo – que é uma ave reprodutora muito rara no Reino Unido – poderiam ter áreas de distribuição muito mais vastas do que as actuais.

A organização RSPB pretende usar esta nova investigação como uma das formas de medir o quão “favoráveis” estão as populações de aves reprodutoras no Reino Unido.

“Este trabalho pode ajudar a perceber onde acções de restauro de habitats e de espécies poderão levar ao regresso de espécies que já perdemos e que tinham aqui uma distribuição histórica, ou até mesmo à colonização por novas espécies”, comentou Gillian Gilbert, da RSPB, que também participou no estudo.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.