Veado. Foto: Pixabay

ONGA defendem o que é preciso para a caça ser uma ferramenta de conservação

Seis organizações conservacionistas aproveitam uma reunião hoje do ministro do Ambiente com o Conselho Nacional da Caça para propor seis alterações para a tornar uma ferramenta de preservação e não de exploração da Natureza.

“A Lei da Caça precisa de alterações de fundo”, escrevem, num comunicado enviado hoje à Wilder, seis organizações: Liga para a Protecção da Natureza (LPN), Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, ANP-WWF e GEOTA (Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente) e FAPAS (Fundo para a Proteção dos Animais Selvagens).

“O perturbador episódio da Quinta da Torre Bela, na Azambuja, desencadeou uma onda de reações de repúdio, transversal a toda a sociedade, que pode hoje começar a ganhar forma e substância na reunião entre o Senhor Ministro do Ambiente e da Ação Climática e o Conselho Nacional da Caça e da Conservação da Fauna.”

A Coligação C6, “antecipando a mais que provável revisão da Lei da Caça”, propõe seis alterações-chave para que a caça “contribua ativamente para a proteção da Natureza”.

Uma das medidas é a obrigação dos planos de gestão cinegética incluírem medidas para manter e melhorar o estado de conservação dos ecossistemas e sua biodiversidade.

“É verdade que já existem bons exemplos disso em Portugal, como as zonas de caça que colaboram em projetos de conservação do lince-ibérico e de aves de rapina no Sudeste Alentejano”, salientam as organizações.

“Mas, infelizmente, estes bons exemplos são exceções, e a única forma de se generalizarem no território é colocar a conservação dos ecossistemas explorados como obrigação na Lei.”

Outra medida importante é definir, nos planos de gestão cinegética, limites máximos diários ao número de animais que cada caçador pode abater. “Para além de evitar espetáculos tristes como o da Quinta da Torre Bela, esta alteração contribuiria para uma gestão focada nos ecossistemas e combateria a intensificação excessiva da produção de certas espécies cinegéticas.”

Rever regularmente a lista de espécies cuja caça é permitida é outra proposta desta Coligação. “Devem, por exemplo, ser excluídas espécies com populações reduzidas ou em declínio. Um caso paradigmático desta situação é a rola brava, cujas populações estão em queda vertiginosa em toda a Europa, ao ponto de ser hoje considerada uma espécie ameaçada. Não faz qualquer sentido caçar espécies nesta situação.”

As organizações de conservação pedem ainda a proibição da caça com
chumbo em todo o território nacional. Isto para travar a poluição dos terrenos e zonas húmidas por munições de chumbo. “A toxicidade deste metal é tão elevada que, para evitar a sua acumulação no organismo, a União Europeia (UE) recomenda que ninguém faça mais de três refeições de animais caçados com chumbo por ano.”

Apesar destas munições serem já proibidas em vários países, e de existirem alternativas, continuam a ser lançadas no território europeu 19 mil toneladas de chumbo por ano. A UE proibiu recentemente a utilização das munições de chumbo nas zonas húmidas, mas a nossa legislação deve desde já alinhar com a dos países que já a proibiram em todo o território, como a Dinamarca e a Holanda.

Não menos importante é a necessidade de agravar o quadro penal. “Uma legislação é tremendamente ineficaz se não possuir os meios e mecanismos necessários à sua implementação.”

A ideia seria dissuadir os crimes e contraordenações na caça, “tendo penas administrativas pesadas, como o cancelamento de licenças de zonas de caça, acompanhada da interdição de as restabelecer durante um período prolongado”.

As ONGA denunciam situações onde “a empresa ou a associação que cometeu o crime muda de nome e de NIF e se volta a reestabelecer”.

Mas, para isso, “é também fundamental reforçar muito a capacidade de fiscalização do cumprimento da legislação. O Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) atribui licenças de exploração de zonas de caça, mas não tem capacidade para fiscalizar o cumprimento dos seus planos de gestão e exploração. Igualmente grave é a baixíssima capacidade do ICNF e do SEPNA (Serviço de Proteção da Natureza e Ambiente – GNR) para zelarem, no terreno, pelo respeito da legislação.”

Por último, as organizações pedem a melhoria na formação dos caçadores. “Ao longo das últimas décadas, foi alcançado algum progresso a este nível mas é ainda claramente insuficiente. Deve ser incutido um respeito mais alargado pela Lei e pela Natureza, aliado a campanhas de informação, que permitam que a caça se mova em direção a um cenário de sustentabilidade e conservação dos ecossistemas, e não de ameaça.”

Com estas propostas, as ONGA esperam que a caça, actividade “com grande importância para o dinamismo económico das zonas rurais”, possa “continuar a ser praticada, respeitando os limites da natureza, e que possa contribuir para travar a perda de biodiversidade”.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.