Fêmea e crias no CNRLI. Foto: Joana Bourgard/Wilder (arquivo)

Operação “fundamental” de resgate dos linces de Silves envolveu 70 pessoas

Os 29 animais que foram retirados do Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico (CNRLI), numa operação que envolveu 70 pessoas, já estão nos três centros em Espanha. Esta foi uma acção “fundamental”, já que o fogo acabou por atingir o centro “com severidade”, informa o ICNF.

 

Neste momento, “os linces deslocados para os Centros de Cria em Espanha já se encontram nas suas novas instalações e em boas condições”, informou há pouco o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) em comunicado enviado à Wilder.

 

Momento durante o transporte dos linces do CNRLI para Espanha. Foto: Rodrigo Serra/ICNF

 

Depois de terem passado a noite de ontem na Escola EB 2,3 Jacinto Correia de Lagoa, local disponibilizado pela Câmara Municipal de Lagoa, os 29 linces foram transportados esta manhã para os Centros de Cria de El Acebuche, La Olivilla e Zarza de Granadilla, em Espanha.

A acompanhar as colunas de viaturas de transporte dos animais até à fronteira em Vila Real de Santo António esteve o Destacamento de Trânsito de Albufeira; o Destacamento de Trânsito de Grândola assegurou o acompanhamento das colunas de viaturas de transporte de animais até à fronteira de Elvas.

De acordo com a agência EFE, citando um comunicado do Ministério espanhol para a Transição Ecológica (Miteco), 12 linces foram levados para o centro La Olivilla (Jaén), com capacidade para 23 animais, nove para o centro de Zarza de Granadilla, em Cáceres, com capacidade para 16 animais, e oito para o centro de El Acebuche, no Parque Nacional de Doñana (Huelva) e que tem capacidade para 18 linces.

“A estratégia foi bem-sucedida e acabou por se revelar fundamental para o salvamento dos 29 exemplares, pois muito pouco tempo depois da retirada o incêndio atingiu com severidade o centro de reprodução”, acrescenta o ICNF.

Cerca de 70 pessoas estiveram envolvidas na operação de evacuação do CNRLI e transporte dos animais para Espanha. Entre elas estiveram profissionais do ICNF, vigilantes da natureza, técnicos especialistas em fogo, técnicos especialistas em fauna selvagem, veterinários e a equipa técnica do CNRLI.

O resgate destes linces, uma espécie selvagem Em Perigo de extinção, contou ainda com o apoio  de outras entidades, tanto portuguesas como espanholas. Segundo o instituto, participaram também nesta operação uma equipa do corpo de fuzileiros da Marinha, a GNR, a Câmara Municipal de Lagoa, a DGAV, a DRAP Algarve, bem como vários técnicos dos Centros de Cria de El Acebuche, La Olivilla e Zarza de Granadilla e responsáveis das Juntas da Andaluzia e da Extremadura e do Ministerio de Transición Ecológica de Espanha.

Agora, o ICNF “está a fazer o levantamento e a avaliação dos danos causados pelo incêndio no CNRLI, para proceder com a maior brevidade possível à sua recuperação e poder dar seguimento ao processo de reintrodução de Lince Ibérico em Portugal”.

O lince-ibérico tem tido uma história atribulada. No século XIX a população mundial da espécie estava estimada em cerca de 100.000 animais, distribuídos por Portugal e Espanha. Mas no início do século XXI restavam menos de 100. Então, os dois países juntaram-se para recuperar habitats e reproduzir animais. O programa Ex-Situ de reprodução em cativeiro é uma das peças deste quebra-cabeças conservacionista que ainda hoje não está resolvido.

Hoje, esta é uma espécie classificada desde 22 de Junho de 2015 como Em Perigo de extinção, depois de anos na categoria mais elevada atribuída pela União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), Criticamente em Perigo.

Actualmente, os únicos 547 linces-ibéricos do planeta vivem na Andaluzia (em quatro zonas: Doñana-Aljarafe, Andújar-Cardeña, Guarrizas e Guadalmellato), na Extremadura espanhola (Valle del Matachel), em Castela-La Mancha (Serra Morena Oriental e Montes de Toledo) e no Vale do Guadiana (Mértola e Serpa).

 

O CNRLI

O CNRLI, em Vale de Fuzeiros (Silves), é o único centro português que faz parte da rede ibérica de reprodução em cativeiro. Foi inaugurado a 22 de Maio de 2009, como medida de compensação pela construção da barragem de Odelouca. Para trás ficaram cinco anos de preparação.

A equipa técnica instalou-se no centro a 1 de Junho de 2009 – depois de meses de formação em Espanha – e o primeiro lince, a fêmea Azahar, chegou a 26 de Outubro de 2009, vinda do Zoo de Jerez.

Lá trabalha uma equipa de 13 pessoas que garante o seu funcionamento e que é coordenada por Rodrigo Serra, veterinário e director técnico. Há 16 cercados, cada um com 1.000 metros quadrados e câmaras de video-vigilância, e com capacidade máxima para 32 linces.

O grande objectivo do CNRLI, que não é visitável, é conseguir crias saudáveis, treiná-las para a liberdade e, meses depois, soltá-las na natureza, para que novas populações de linces voltem aos territórios de onde se extinguiram há décadas.

A primeira temporada reprodutora, que aconteceu em 2009/2010, resultou em três crias que não conseguiram sobreviver. Em oito anos, 74 de 103 crias conseguiram sobreviver. Dessas 74, 11 continuam no programa ibérico de reprodução em cativeiro, distribuídas pelos cinco centros de Portugal e Espanha. As outras 63 foram reintroduzidas na natureza, como reforço das populações selvagens, quase uma média de 11 por ano.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Leia a nossa série “Como nasce um lince-ibérico” e conheça os veterinários, video-vigilantes, tratadores e restante equipa do CNRLI em Silves.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.