Fêmea de marinha. Foto: Marisa Sarria

Os peixes que descuram a gestação em nome da paixão

Uma equipa de cientistas, liderada por dois portugueses, descobriu agora que as marinhas, peixes “primos” dos cavalos-marinhos, têm uma estratégia reprodutiva surpreendente. O estudo acaba de ser publicado na revista Proceedings of the Royal Society B.

 

A diversidade do mundo natural é pródiga em possibilidades de descobertas surpreendentes. Desta vez, a descoberta aconteceu nos oceanos e tem um peixe como protagonista.

Uma equipa internacional de investigadores, liderada pelos investigadores do CIBIO-InBIO (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos) Nuno Monteiro e Mário Cunha, estudou as estratégias de reprodução das marinhas (Syngnathus abaster), pequenos peixes que são parentes próximos do cavalo-marinho.

Nas marinhas, são os machos a engravidar. “Durante o acasalamento, a fêmea transfere os ovos para a bolsa incubadora do macho, similar a uma placenta, onde os embriões se desenvolvem, protegidos e alimentados pelo pai”, explica o CIBIO-InBIO em comunicado divulgado hoje.

A quantidade e sucesso da descendência depende do investimento dos pais na reprodução. “Todos pretendem ter como parceiros os indivíduos de melhor qualidade e, assim, as escolhas caem recorrentemente sobre os indivíduos maiores e mais coloridos”, diz Nuno Monteiro, no comunicado.

Mas e se o macho entretanto encontrar uma fêmea mais atraente, que lhe dê uma perspectiva melhor de reprodução no futuro?

 

Machos (em baixo) e fêmeas (em cima, com o padrão listado visível, que exibem quando cortejam os machos) da marinha. Foto: Marisa Sárria

 

Para responder a esta questão, os investigadores estudaram mais de 400 peixes, na natureza e em laboratório, para tentar perceber se o desenvolvimento dos embriões e as taxas de abortos podem ser afectados quando um macho grávido encontra uma nova fêmea mais atraente.

“Embora não tenhamos observado um bloqueio completo da gravidez, os resultados indicam que os machos são capazes de reduzir o investimento na gestação actual quando confrontados com a perspectiva de uma melhor reprodução futura”, refere Nuno Monteiro. Isto resulta em crias mais pequenas e no aumento do número de abortos.

“O gestante reduz ou cessa a transferência de recursos para os embriões, capta e reserva nutrientes dos embriões abortados e, assim, economiza reservas de energia para a gravidez que acredita ser possível” com a fêmea mais atraente, acrescenta.

 

Fêmea de marinha. Foto: Marisa Sárria

 

Até agora eram poucas as espécies de mamíferos cujas fêmeas se sabia terem a capacidade de terminarem gravidezes quando o macho dominante era substituído. No entanto, nada similar havia sido observado noutros grupos de animais.

No caso das marinhas, os investigadores fazem uma alusão ao filme de Gene Wilder, “A mulher de vermelho” – em que um homem pacato fica repentinamente obcecado por uma bela modelo e acaba por esquecer a sua mulher e filhas – e baptizaram um comportamento semelhante como o efeito da “Mulher de Vermelho”.

“O processo de escolha de parceiros é absolutamente crucial e ninguém quer cometer erros porque o preço a pagar pode ser a ausência de descendência”, explica Nuno Monteiro. No entanto, “às vezes, há enganos ou apresentam-se oportunidades inesperadas e alguns animais têm a flexibilidade de reagir a novas condições”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.