Os rios estão a perder a sua fauna e flora, alertam peritos

Os rios de 88 países têm fraca qualidade ecológica e uma elevada perda de biodiversidade, alerta um novo estudo liderado por uma investigadora portuguesa.

Uma equipa de 29 peritos de todos os continentes – liderada por Maria João Feio, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (MARE) da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC) – fez o ponto da situação sobre a qualidade ecológica dos rios no mundo. 

O estudo, que abrangeu 88 países, revela fraca qualidade ecológica dos rios em todo o mundo e a sua elevada perda de biodiversidade. Cerca de metade dos troços ou rios analisados encontra-se abaixo do nível aceitável na Europa e nos Estados Unidos, um terço na Austrália e um quarto na Coreia do Sul. 

Em Portugal seguimos o padrão europeu, “com cerca de metade das massas de água analisadas em bom estado ecológico”, disse, em comunicado divulgado hoje, Maria João Feio.

A investigadora sublinha que “temos situações muito críticas ao nível dos grandes rios que estão muito alterados por barragens”.

Além disso, acrescenta, “em todo o país, existem ainda casos de poluição pontual e difusa e também fortes alterações na vegetação ribeirinha, que é essencial tanto para o funcionamento do ecossistema aquático como para melhorar a qualidade do ar e do solo e filtrar as águas de escorrência que vão ter aos rios”.

Uma das consequências da fraca qualidade ecológica dos rios “é uma perda muito elevada de biodiversidade. Por exemplo, na Nova Zelândia 70% das espécies de peixes de água doce estão em perigo, enquanto no Japão 40% estão ameaçadas. Noutros países a monitorização físico-química mostra um grau de poluição muito elevado que põe em risco a saúde humana”, assinala Maria João Feio no artigo científico publicado na revista Water.

Os cientistas avaliaram também o estado de implementação da biomonitorização dos rios, ou seja, a avaliação dos rios com base nas comunidades aquáticas – por exemplo, peixes, invertebrados bentónicos, algas ou outras plantas –, e as medidas que estão a ser tomadas para os recuperar.

A equipa concluiu que, “na maioria dos países do mundo, a monitorização biológica dos rios de forma regular não está a ser feita”.

“Numa grande parte dos países existe, no máximo, uma análise físico-química da água o que é insuficiente para traduzir a degradação destes sistemas resultantes das ações humanas (tais como a articialização das margens, corte de vegetação, presença de espécies não nativas e espécies invasoras, açudes e barragens que alteram a circulação da água, sedimentos e espécies ao longo das bacias hidrográficas).”

Em relação à implementação de medidas de reabilitação dos rios, o panorama também não é animador.

Segundo os autores do estudo, “apesar de existirem bons exemplos, tanto na Europa (principalmente no norte) como nos Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, concluímos que a este nível muito pouco tem sido feito a nível global”.

“Se recuperados, os rios podem fornecer serviços muito importantes às pessoas, desde o fornecimento de água e alimento, e contribuir para a melhoria da qualidade do ar, do solo, a mitigação de extremos climáticos e ainda proporcionar zonas de lazer essenciais ao bem-estar humano”, comenta a investigadora da FCTUC.

A equipa internacional de peritos recomenda a definição de objetivos ecológicos “realistas e claros” para os planos de reabilitação/restauro dos rios, a obrigatoriedade de fazer esses planos com base em dados recolhidos em programas de monitorização e fazer o acompanhamento desses planos. 

Os especialistas defendem ainda a criação de equipas interdisciplinares para fazer esses planos – cientistas conhecedores dos ecossistemas, engenheiros e ainda cientistas sociais –, para “permitir envolver todos os tipos de utilizadores da água (população, indústria, decisores) num objetivo comum”.

É ainda essencial, garantem, “existir financiamento adequado e que a recuperação dos rios seja colocada nas prioridades políticas nacionais e internacionais”.


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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.