Portugal ajuda a monitorizar cerca de mil tubarões e raias para saber como se movem verticalmente nos oceanos

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Nuno Queiroz, investigador português, participou no estudo mundial que acompanhou 989 tubarões e raias durante 19 anos para mapear os movimentos verticais destes animais marinhos, na tentativa de proteger as espécies mais ameaçadas.

Um pouco por todo o mundo, 989 tubarões e raias, de 38 espécies foram equipados com transmissores de satélite desde 2002 a 2021, no âmbito de um estudo que envolveu 171 investigadores de 135 instituições, incluindo cientistas do CIBIO-INBIO/BIOPOLIS (Universidade do Porto). O trabalho foi publicado hoje na revista Science Advances.

Tubarão-de-pontas-brancas. Foto: Mark Royer

Este estudo, liderado pela Zoological Society of London (ZSL) e pela Universidade de Stanford, acabou por conseguir fazer a primeira análise global de como os tubarões e raias usam a dimensão vertical do oceano, desde o Pacífico Norte ao Oceano Índico, e do Ártico ao Caribe.

Alguns dos tubarões seguidos por satélite passaram pelas nossas águas, sobretudo por águas açorianas. 

Os investigadores queriam saber como se comportavam estes animais, a que profundidades desciam, onde passavam a maior parte do tempo e a fazer o quê.

Nuno Queiroz, investigador do CIBIO-INBIO/BIOPOLIS (Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, InBIO Laboratório Associado da Universidade do Porto), foi uma das pessoas que se dedicou a estes animais.

“Desde 2006 que temos colocado transmissores de satélite em tubarões azuis (Prionace glauca) e anequins (Isurus oxyrinchus) no Atlântico Norte”, explicou à Wilder. A participação portuguesa foi assim crucial para obter dados sobre 13% e 19% de todos os tubarões azuis e anequins analisados, respetivamente. “Fornecemos também o único dataset de um longfin mako (Isurus paucus)”, acrescentou Nuno Queiroz. 

Os cientistas ficaram a saber que 13 das 38 espécies fizeram mergulhos a mais de 1.000 metros de profundidade. O mergulho mais profundo foi feito por um tubarão-baleia (Rhincodon typus), a 1.896 metros.

“São incríveis as profundidades máximas atingidas por algumas espécies, como por exemplo, 1.792 metros para os tubarões azuis e 1.888 para anequins, tendo a profundidade maior sido atingida por um tubarão-baleia) 1896 m). Todos estes mergulhos estão perto do limite máximo tolerado pelos transmissores de satélite (cerca de 2.000 metros)”, comentou Nuno Queiroz à Wilder. 

Os dados obtidos neste estudo revelaram também como algumas espécies variam a sua profundidade entre o dia e a noite, muito provavelmente para procurar presas, regular a temperatura corporal, reproduzir-se ou para tentar evitar predadores. 

Os investigadores foram surpreendidos por quão variável é o comportamento vertical entre espécies e como, por vezes, a mesma espécie adopta comportamentos e estratégias diferentes.

Maioria dos tubarões e raias passa quase todo o tempo mais perto da superfície

O estudo mostrou ainda que, apesar de realizarem mergulhos profundos, 26 das 38 espécies analisadas – incluindo o tubarão-de-pontas-brancas (Carcharhinus longimanus), o tubarão-tigre (Galeocerdo cuvier), o tubarão-martelo (Sphyrna lewini) e o tubarão-seda (Carcharhinus falciformis) – passam mais de 95% do seu tempo nos primeiros 250 metros, onde a probabilidade de interagir com barcos de pesca é maior. 

Este facto surpreendeu os investigadores. “É surpreendente que tantas espécies passem imenso tempo nos primeiros 250 metros do oceano, onde estão mais vulneráveis a atividades humanas e também ao impacto das alterações climáticas (ex., aumento da estratificação térmica e desoxigenação)”, notou Nuno Queiroz. 

Jamanta com transmissor de satélite. Foto: Guy Stevens

A lista destas 26 espécies que passaram mais de 95% do tempo nos primeiros 250 metros “inclui algumas espécies de valor comercial – como tubarões-azuis e tubarões-seda – e espécies que se encontram atualmente protegidas, como anequins, tubarões de pontas brancas (Carcharhinus longimanus), martelo (Sphyrna zygaena) e raposo (Alopias spp.). Apesar de protegidas, estas espécies estão sujeitas a elevados níveis de pesca acessória, o que não é surpreendente dado a percentagem de tempo que passam perto da superfície”.

Até à data tinham sido escassos os estudos de como os grandes predadores marinhos usam a dimensão vertical, apesar de o oceano ter uma profundidade média de 3,5 quilómetros e os tubarões e raias ocuparem todas as profundidades dentro desse ambiente dinâmico.

“Investigar como os elasmobrânquios (grupo onde se incluem tubarões e raias) usam a dimensão vertical do seu habitat é fundamental para, não só, entender a maneira como vivem, mas também para perceber como é que as atividades humanas os afetam. Isso ajuda-nos a encontrar melhores maneiras de os proteger”, comentou, em comunicado, David Curnick da Zoological Society of London e principal coautor principal do artigo.

À medida que o mundo se aquece devido às alterações climáticas, prevê-se que a estrutura vertical do oceano também mude. Os investigadores acreditam que uma melhor compreensão do comportamento destes predadores marinhos pode ajudar a prever melhor as suas distribuições no futuro, melhorar a gestão e conservação de muitas espécies, como por exemplo, tornar mais eficientes as medidas de redução das capturas que ocorrem acidentalmente durante a pesca.

Nuno Queiroz salientou que “ter um mapa tridimensional de como os tubarões e raias usam o oceano é vital para entender o papel ecológico que estas espécies desempenham, mas também determinar a exposição de cada a espécie a diferentes ameaças, como a pesca comercial e as alterações climáticas.”

Os investigadores esperam que essas novas informações ajudem a melhorar as medidas de gestão e conservação, anteriormente prejudicadas pela falta de dados para determinadas espécies.


Saiba mais.

Descubra oito factos sobre os tubarões portugueses, com a ajuda de Nuno Queiroz.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.