Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Portugal terá, pelo menos, uma nova área de reintrodução de lince-ibérico

Das 14 populações de lince-ibérico em todo o mundo, uma fica em Portugal, no Vale do Guadiana. Mas já está prevista a identificação de, pelo menos, mais uma nova área de reintrodução, disse à Wilder João Alves, do ICNF.

A pouco e pouco, o lince-ibérico (Lynx pardinus) está a regressar aos seus territórios históricos em Portugal e Espanha. Este felino de barbas e de orelhas com pontas em forma de pincel foi, até 2015 uma espécie Criticamente Em Perigo de extinção. Em Portugal, chegou a viver numa situação de “pré-extinção”.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ

Agora serão cerca de 140 linces numa zona com perto de 500 quilómetros quadrados (50.000 hectares) nos concelhos alentejanos de Serpa, Mértola, Castro Verde e Alcoutim. Juntos formam a população do Vale do Guadiana, uma das 14 populações de lince-ibérico da Península.

Em Setembro de 2020 arrancou o quarto projecto LIFE dedicado à conservação desta espécie Em Perigo de Extinção, o LIFE Lynxconnect – “Criando uma metapopulação de lince-ibérico (Lynx pardinus) genética e demograficamente funcional”.

“No âmbito do novo projecto LIFE Lynxconnect está prevista a identificação de, pelo menos, uma nova área de reintrodução”, explicou à Wilder João Alves, técnico superior do Departamento de Conservação da Natureza e Biodiversidade do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF).

Esta nova área “deverá estar concluída durante os próximos quatro anos”, acrescentou. Tudo dependerá da avaliação de um “número muito significativo de variáveis”.

“Para que um dado território possa ser considerado apto para nele ser iniciado um processo de reintrodução de lince-ibérico, tem que previamente ser alvo de um conjunto alargado de avaliações”, explicou o responsável.

Estas vão desde a “existência de extensão e continuidade de habitat adequado, em termos qualitativos e quantitativos, níveis adequados de população da presa preferencial do lince – coelho-bravo – que permitam alimentar os exemplares libertados e a sua descendência, inexistência de patologias infeciosas noutras espécies de fauna que interagem com os linces e que podem constituir risco de insucesso, baixa presença nesse território de vias de comunicação com tráfego considerável ou de outros objectos físicos que possam constituir fatores de risco elevado de mortalidade (atropelamento, afogamento, etc.), até à aceitação social das populações que aí residem ou que aí têm uma atividade económica que possa ser conflituante com a presença do lince ibérico de modo permanente e em termos quantitativos significativos”.

Crias de lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-situ

Actualmente, existem em Portugal entre 2.000 e 4.000 quilómetros quadrados de áreas adequadas ao lince-ibérico, segundo João Alves. Aí vivem cerca de 140 linces, 80 dos quais adultos ou subadultos, revelou o censo referente a 2020. Em toda a Península Ibérica já são 1.111 os exemplares desta espécie, o número mais elevado das últimas duas décadas.

Para João Alves, “a evolução positiva da população, refletida num aumento anual constante de linces, fica essencialmente a dever-se a três factores. A grande abundância de presas na área de reintrodução, especialmente de coelho bravo, uma área muito vasta de habitat adequado (> 500 km2) e a uma boa aceitação social da reintrodução. As duas primeiras estão diretamente relacionadas as boas práticas em termos de gestão cinegética”.

Quanto ao coelho-bravo, uma das principais presas do lince-ibérico, o responsável sublinhou que as populações daquela espécie têm sido monitorizadas no âmbito do projecto de reintrodução do lince que, em Portugal, começou no final de 2014. Os censos têm sido feitos na área de reintrodução e nas zonas envolventes.

“Os dados apontam, genericamente, para uma descida dos níveis populacionais desta espécie um pouco por toda a Península Ibérica recenseada.” Segundo João Alves, “não estamos ainda numa fase de recuperação”.

Por isso, adiantou, o ICNF integra uma candidatura específica ao programa LIFE Governança (a WWF Espanha será o beneficiário coordenador) “para ser delineado e lançado um censo ibérico, a larga escala, e medidas de recuperação desta espécie, mediante a gestão de populações”. “Também estão previstas medidas de mitigação de conflitos, bem como o desenvolvimento de um pólo de coordenação (grupo de trabalho) para as acções de recuperação e troca de ideias que, a prazo, poderá produzir uma estratégia ibérica de recuperação do coelho-bravo.”

Além disso, foi feita uma proposta de Plano de Acção para o Controlo da Doença Hemorrágica Viral dos coelhos, com estratégias de investigação e ações prioritárias específicas. O objectivo é inverter o processo de declínio continuado das populações de coelho-bravo.

Lince-ibérico. Foto: Programa de Conservação Ex-Situ do Lince-Ibérico

Um outro factor a considerar num território de lince é o risco de atropelamentos. Segundo João Alves, está identificado um único ponto negro de atropelamentos, “que concentrou quatro atropelamentos (três dos quais com mortalidade) e que foi sujeito a várias intervenções por parte da Infraestruturas de Portugal, em estreita articulação com o ICNF”. “A velocidade de circulação foi reduzida para 50 km/h, foram colocados medidores de velocidade instantânea e foi colocada uma vedação, ao longo de cerca de 2 km, que não só impede a passagem de linces para a estrada como os direcciona para passagens subterrâneas.”

De momento, está em processo de revisão o Plano de Acção para a Conservação do Lince-ibérico (PACLIP), que terminou no final de 2020.

“Presentemente, internamente ao ICNF, está a ser elaborado um documento que visa determinar o nível de implementação do PACLIP 2015-2020, o qual integrará já contributos das entidades que foram parceiras no projecto LIFE Iberlince, que decorreu entre setembro de 2011 e junho de 2018, designadamente a Infraestruturas de Portugal, a EDIA e a Associação Iberlinx”, explicou João Alves.

“Este documento será apresentado à Comissão Executiva do PACLIP, para análise e recolha de contributos por parte das restantes entidades que têm assento nesta Comissão. Após esta avaliação, será desencadeado o processo de revisão do atual PACLIP, não sendo expectáveis grandes alterações, pelo menos a nível das componentes ex situ in situ, atendendo aos resultados nitidamente satisfatórios conseguidos entre 2015 e a actualidade.”

Este responsável considera que foram atingidas, ou mesmo ultrapassadas, as metas definidas pelo PACLIP 2015-2020 para a conservação in situ e para a ex situ. João Alves referiu os “níveis de reprodução em cativeiro conseguidos no Centro Nacional de Reprodução do Lince Ibérico, acima da média ibérica”, e a “evolução da população reconstituída no Vale do Guadiana, com uma das taxas mais elevadas de crias nascidas por fêmea reprodutora, conseguida a nível da Península Ibérica”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.