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Ribeira. Foto: Helena Geraldes (arquivo)

Portugueses dizem que ainda há estuários ameaçados sem protecção

Investigadores portugueses descobriram que a rede mundial de áreas protegidas deixa de fora muitos dos estuários do planeta com espécies mais sensíveis e muito expostas aos impactos das atividades humanas, especialmente na Europa. O trabalho dos cientistas do MARE (Centro de Ciências do Mar e do Ambiente) acaba de ser publicado na revista Scientific Reports.

 

Os investigadores, coordenados por Rita Vasconcelos, analisaram dados sobre as comunidades de peixes de 378 estuários de todo o mundo, disponíveis no projecto FishBiodiversity. O desafio era relacionar a susceptibilidade das comunidades de peixes estuarinos com o nível de pressões humanas – como a densidade populacional, pesca, navegação, poluição – e com a cobertura por áreas protegidas em cada estuário e em seu redor (no mar e em água doce).

“Trabalhar à escala mundial exige que se utilize informação padronizada para todas as localizações”, explicou, em comunicado, Rita Vasconcelos. A informação foi trabalhada com recurso a métodos de modelação de dados ecológicos e a métodos de análise de informação geográfica. Contudo, o estudo não apresenta informação para cada estuário individualmente, porque o objetivo foi trabalhar estes ecossistemas como um todo ao nível mundial.

O artigo publicado ontem demonstra que as comunidades de peixes mais sensíveis ocorrem, sobretudo, em estuários localizados nas maiores latitudes (particularmente na Europa) e onde as pressões das atividades humanas são mais intensas, e em estuários que são mais interligados com o meio marinho.

O nível de proteção dessas áreas é, contudo, inferior ao verificado noutras áreas do globo.

Segundo os investigadores, as principais estratégias de conservação de estuários não estão coordenadas a nível mundial, não consideram devidamente as características das espécies (como a sua sensibilidade) e falham na proteção das comunidades mais sensíveis.

“Este resultado é particularmente preocupante uma vez que demonstra que as estratégias de conservação podem não ser suficientes para travar a atual perda de biodiversidade”, alertam os cientistas.

“Muitas das áreas protegidas existentes em todo o mundo não estão a funcionar, não passam de linhas no mapa, sem qualquer medida de conservação a ser implementada e não formam uma rede coerente.”

Os estuários englobam ecossistemas vitais para o equilíbrio dos oceanos e do planeta, proporcionando a produção de oxigénio, reciclagem de nutrientes, habitats de reprodução e berçário para muitas espécies e suporte de atividades económicas como a pesca e o turismo.

Muitas das espécies que deles dependem são especialmente vulneráveis ou menos resilientes. Segundo Rita Vasconcelos, isto acontece quando as espécies têm um crescimento lento, põem poucos ovos em cada ciclo reprodutivo e têm menor capacidade de recuperar face a perturbações.

Os investigadores propõem que se criem, com urgência, “estratégias de conservação abrangentes que entrem em consideração com as dinâmicas dos ecossistemas e a relação entre habitats e zonas diferentes”. “Manter o equilíbrio dos ecossistemas naturais, nomeadamente dos estuários, é essencial para a sustentabilidade continuada de muitas atividades económicas e da manutenção das funções vitais para a vida na Terra, incluindo a do Homem.”

 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.