Borrelho-de-coleira-interrompida. Foto: Mike Charitakis/Wiki Commons

Praia de Cádiz pulverizada com lixívia para lutar contra Covid-19

Zahara de los Atunes, perto de Cádiz, usou tratores para pulverizar mais de dois quilómetros de praia e dunas com uma solução à base de água e de lixívia para combater a Covid-19. As críticas não se fizeram esperar.

 

A desinfecção aconteceu no sábado passado, um dia antes de o Governo espanhol ter autorizado as crianças a sair de casa pela primeira vez desde a quarentena.

Ambientalistas locais denunciam que a iniciativa causou um “dano brutal” ao ecossistema local. María Dolores Iglesias, responsável por um grupo ambientalista da região de Cádiz, visitou a praia de Zahara de los Atunes e presenciou os danos. A lixívia, disse, “matou tudo, não se vê nada, nem mesmo insectos”, citou a BBC online.

A praia e as suas dunas são áreas protegidas para a nidificação de aves como o borrelho-de-coleira-interrompida (Charadrius alexandrinus). Iglesias disse ter visto pelo menos um ninho com ovos destruído pelos tratores.

“A lixívia é usada como um desinfectante poderoso. É lógico que seja usada para desinfectar as ruas e o asfalto. Mas aqui os danos foram brutais”, acrescentou.

“Eles devastaram as dunas e quebraram todas as regras. O que fizeram foi uma aberração. E tendo em conta que o vírus vive nas pessoas e não nas praias, é uma loucura.”

Iglesias lembrou que, por causa da quarentena, a vida selvagem estava a prosperar naquela praia. “A praia tem a sua própria forma de se limpar, isto não era necessário. Eles não pensam que isto é um ecossistema vivo, mas tão só um pedaço de terreno”.

A Greenpeace Espanha já lamentou o sucedido. “Fumigar praias no meio da época de reprodução das aves ou do desenvolvimento da rede de invertebrados que é a base das pescas costeiras… não é uma das ideias de (Donald) Trump. Está a acontecer em Zahara de los Atunes”, twittou a organização.

A autarquia local já admitiu que a desinfecção foi um erro. “Admito que foi um erro, mas foi feito com a melhor das intenções”, disse Agustín Conejo, presidente da autarquia ao jornal espanhol El País. Conejo explicou que tomou esta medida de desinfecção para preparar a praia “para a saída das crianças” de casa.

“É uma aberração ambiental”, acusa Daniel Sánchez Román, delegado em Cádiz da Delegación Provincial de Desarrollo Sostenible da Junta da Andaluzia. “Esta é uma zona muito sensível, onde se reproduz, todos os anos, o borrelho-de-coleira-interrompida”, ave incluída no Livro Vermelho das Aves de Espanha.

A Junta da Andaluzia está a considerar multar a autarquia pela sua acção, avança o El País. Agustín Conejo já fez saber que, caso a multa se concretize, vai assumi-la.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.