Pato-trombeteiro. Foto: Skeeze/Pixabay

Quercus quer proibição da caça nos concelhos afectados pelo fogo

A dois dias do início da época de caça de 2017/2018, a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza defendeu hoje a proibição da actividade cinegética nos concelhos atingidos pelos incêndios e salientou que ainda há ilegalidades e problemas por resolver.

 

A associação apela ao Governo para que “suspenda toda a atividade cinegética nos municípios que foram afetados por incêndios em mais de 20 % da sua área territorial”, de acordo com um comunicado divulgado hoje. Este pedido surge porque, segundo a Quercus, “nesses municípios as populações de animais foram dizimadas pelo fogo e os que conseguiram sobreviver têm agora dificuldades na obtenção de abrigo e alimento”. Além disso, “o calor e a seca agravam a situação, principalmente para os animais juvenis”.

Um dos centros de recuperação de animais selvagens localizado em zonas atingidas pelo fogo, o CERAS – Centro de Estudos e Recuperação de Animais Selvagens, em Castelo Branco, tem lotação esgotada. Segundo disse à Wilder Samuel Infante, da Quercus, “temos de tudo. Temos animais desidratados, queimados, com grande diversidade de traumatismos, como asas partidas”; a maioria são aves.

Em nome de uma caça mais sustentável, a Quercus pede também que sejam retiradas da lista de espécies cinegéticas quatro espécies ameaçadas de patos – a frisada (Anas strepera), o pato-trombeteiro (Anas clypeata), o zarro–comum (Aythya ferina) e o zarro-negrinha (Aythya Fuligula) – e a gralha-preta (Corvus coreone) e a pega-rabuda (Pica pica).

Estas duas últimas espécies não eram caçadas desde 1991 e voltarão a ser agora “sem que haja qualquer fundamentação técnico-científica que a suporte”. Apesar de reconhecer que, em algumas regiões, estas aves possam causar prejuízos,  a associação lembra que existem mecanismos legais de controlo, nomeadamente a correção de densidades, que têm sido já utilizados. Há ainda o perigo de a gralha-preta poder ser confundida com espécies protegidas e ameaçadas, segundo o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, como o corvo (Corvus corax) e a gralha-de-bico-vermelho (Phyrrocorax phyrrocorax).

A Quercus defende também deve voltar a ser anual e não bianual ou trianual – como é desde 2011 – a decisão sobre quais as espécies cinegéticas, que efetivos e quais os locais para abate. Isto porque, lembra, “podem ocorrer alterações imprevistas, como já aconteceu no passado com os incêndios florestais e secas”.

Um dos grandes problemas que continua por resolver é a utilização de munições com chumbo. “Calculando os largos milhões de cartuchos usados anualmente na caça no nosso país, são muitas as toneladas de chumbo que, ano após ano, se vão acumulando nas nossas áreas naturais, com especial impacte nas zonas húmidas.” Nessas áreas, as aves ao ingerirem grãos de areia e pequenas pedras para ajudar a digestão, acabam por também ingerir as pequenas esferas de chumbo dos cartuchos usados na caça. Daí resulta a intoxicação conhecida por saturnismo, com efeitos adversos na saúde das aves, podendo levar à sua morte.

A sobreposição de 10 dias da caça com os períodos de migração e reprodução de aves é ilegal, salienta a associação. Isto acontece para aves como a rola-comum, o pombo-torcaz, os tordos e o pato-real. “A Quercus entende que a caça à rola, a ocorrer, se deveria iniciar apenas na primeira década de Setembro, enquanto para o pombo-torcaz e os tordos esta deveria terminar na última década de Janeiro. Também o período de caça aos patos se sobrepõe ao período de reprodução e de migração pré-nupcial de várias espécies desta família, pelo que a respetiva caça deveria iniciar-se na primeira década de Outubro e terminar na segunda década de Janeiro. Em relação à galinhola (Scolopax rusticola) continua a ocorrer um período de sobreposição de 10 dias com o período migratório pré-nupcial, pelo que a caça a esta espécie deve terminar na primeira década de Janeiro.”

O caso da narceja-galega (Lymnochryptes minimus) é levantado pela Quercus, que questiona o número de animais que podem ser abatidos (oito aves por dia por jornada de caça, por caçador). Esta é uma espécie classificada como DD (Informação Insuficiente) no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal e, segundo a Quercus, é efetivamente rara.

Por fim, a associação defende que as Zonas de Caça Municipais que garantem o acesso a atividade cinegética aos caçadores do regime livre devem passar para áreas de refúgio de caça ou áreas de interdição à atividade cinegética (cerca de 14% do território nacional).

Esta época venatória começa a 20 de Agosto de 2017 e termina a 28 de Fevereiro de 2018. São 30 as espécies cinegéticas, desde patos e rolas a coelhos, lebres, raposas e saca-rabos, além do javali, veado, gamo, corço e muflão.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.