Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

Quinto quebra-ossos registado em Portugal em mais de 100 anos

Um quebra-ossos libertado na Andaluzia em 2019, no âmbito de um projecto de reintrodução da espécie, passou agora por Portugal e fez uma paragem no Gerês.

 

A notícia foi avançada esta semana pela Vulture Conservation Foundation (VCF), uma organização internacional que se dedica à conservação e recuperação das populações de abutres europeus.

A passagem do quebra-ossos Transhumancia por território português ficou registada através do emissor GPS colocado neste abutre libertado na Andaluzia em 2019, no âmbito de um projecto de reintrodução desta espécie que ali se extinguiu em 1986.

Em Portugal, onde estas grandes aves costumavam reproduzir-se há alguns séculos, os últimos relatos oficiais sobre a sua presença datam do final do século XIX. Foi só há cerca de dois anos, em Maio de 2018, que um quebra-ossos foi finalmente avistado e fotografado no Algarve. Este foi identificado como Rayo, outra das aves libertadas no âmbito da reintrodução da espécie na Andaluzia.

 

Quebra-ossos. Foto: Francesco Veronesi/Wiki Commons

 

Já antes, em 2011 e 2015, tinha sido detectada a presença de outros três quebra-ossos no lado português da fronteira através dos emissores GPS, mas sem fotografias – tal como sucedeu agora com Transhumancia.

Em Maio passado, indicam os dados GPS descritos pela VCF, Transhumancia entrou em Portugal pela zona da Malcata, seguiu para a Serra da Estrela e depois para Viseu, passou perto do Porto, daí para Braga, e finalmente parou no Parque Nacional do Gerês. Era nesta última região que os quebra-ossos se reproduziam há mais de um século.

 

Percurso de Transhumancia quando entrou em Portugal. Imagem: VCF

 

Esta ave atravessou então a fronteira e continuou para a Galiza, viajando depois para a região de Madrid. Transhumancia nasceu em 2019 no Tier Park Goldau, um centro de conservação de natureza na Suíça, com uma área de 42 hectares. Daí foi transportado para Espanha, onde foi libertado na zona de Cazorla, Andaluzia, em Maio desse ano.

 

Cabras-monteses podem ajudar regresso

Será este quinto registo um sinal do futuro regresso destas aves a território português? “Há provavelmente pouco alimento para esta espécie em Portugal”, considera a VCF, que lembra todavia que “no Parque Nacional do Gerês a cabra-montês está a prosperar, no seguimento de um projecto de reintrodução bem sucedido”.

Estas aves alimentam-se apenas de partes mortas de animais, em especial dos ossos. Quando não os conseguem comer inteiros, atiram-nos de grandes alturas para os quebrar – daí o seu nome comum – e alimentam-se da medula que está lá dentro. “E têm uma preferência forte por ossos de cabra.” Além do mais, à medida que a população desta espécie na Andaluzia cresce, “é muito provável que mais quebra-ossos passem por território português”, acrescenta esta organização não governamental.

Na região espanhola, o projecto para a reintrodução destas aves começou em 1996 e está entregue a uma parceria entre a VCF e a Junta da Andaluzia. As primeiras libertações aconteceram em 2006. Desde então, contando com oito aves libertadas este ano, até Julho próximo terão sido introduzidos 71 quebra-ossos, nas províncias de Granada e Jaén.

Há hoje três casais de quebra-ossos e outros 43 indivíduos da espécie confirmados na região, onde este ano nasceram pelo menos duas crias na natureza.

 

[divider type=”thin”]Saiba mais sobre o quebra-ossos.

Como é um quebra-ossos: esta é uma ave com quase três metros de envergadura de asa e até oito quilos de peso. A plumagem pode ser muito escura na sua fase juvenil e tornar-se mais clara com as sucessivas mudas. Mas talvez o que melhor a caracteriza são as barbas escuras perto do bico e o vermelho vivo em redor dos olhos.

Onde nidifica: nas saliências rochosas das grandes cadeias montanhosas.

O que significa o seu nome científico: em Latim, Gyp quer dizer abutre, aetus quer dizer águia e barbatus quer dizer com barba.

Alimenta-se de quê: esta ave é a única do planeta que se alimenta quase exclusivamente de ossos, principalmente de ungulados. Pode chegar a alimentar-se de ossos com 20 centímetros, que digere graças ao seu potente estômago. Quando não os consegue comer inteiros, agarra neles com as suas garras e lança-os de grandes alturas em zonas rochosas para os quebrar.

Quais as maiores populações de quebra-ossos na Europa: esta é uma espécie em perigo de extinção no Velho Continente. As maiores populações são as da cordilheira Pirenaica, da Córsega e Creta. A nível mundial, a União Internacional para a Conservação da Natureza classificou-a como Quase Ameaçada.

 

 

 

 

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.