Redescobertas 17 espécies europeias de plantas tidas como extintas

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Uma planta do litoral sudoeste de Portugal é uma das 17 espécies endémicas da Europa antes consideradas extintas que foram agora redescobertas por uma equipa internacional de investigadores.

As 17 espécies agora redescobertas, e publicadas a 8 de Março num artigo na revista científica Nature Plants, são nativas sobretudo da Bacia do Mediterrâneo.

São plantas muito variadas. “Há de tudo. No geral, são plantas herbáceas pouco aparentes”, descreveu hoje à Wilder David Draper, um dos autores do estudo, investigador do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c e do Museu Nacional de História Natural e da Ciência da Universidade de Lisboa.

Uma das espécies redescobertas: Loncomelos visianicum. Apenas existiam registos num ilhéu da costa da Croácia. A espécie estava catalogada como ‘Extinta’. Foi recentemente descoberta devido a prospeção sobre o terreno, conhecendo-se cerca de 100 exemplares. Foto: Andrea Moro/Departamento de Ciências da Vida, Universidade de Trieste (Itália)

Esta história começa quando uma equipa internacional – liderada por Thomas Abeli e Giulia Albani Rocchetti, investigadores da Universidade Roma Tre (Itália) – analisou 36 espécies endémicas europeias com estatuto de conservação “Extinto” na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

A investigação envolveu a monitorização na natureza – envolvendo universidades, museus, jardins botânicos e bancos de sementes – e a aplicação de técnicas avançadas para estudar a variabilidade das espécies, técnicas só possíveis graças aos mais recentes desenvolvimentos taxonómicos.

Dessas 36, apenas 17 foram redescobertas. Os resultados do estudo confirmam que as restantes 19 espécies que foram analisadas se perderam para sempre.

Três das 17 espécies foram redescobertas na natureza, graças a trabalho de campo, duas foram encontradas preservadas em jardins botânicos europeus e em bancos de sementes e as restantes foram reclassificadas através de uma revisão taxonómica.

Das 36 espécies estudadas por esta equipa, três delas estão registadas para Portugal. Todas elas são endémicas (apenas são conhecidas para Portugal) e estão catalogadas como extintas, explicou David Draper.

“Portugal é um país muito rico botanicamente”, com uma “flora muito atrativa tanto desde o ponto de vista científico como do ponto de vista amador”, salientou o investigador. Isto porque no nosso país coincidem “três grandes ecoregiões (Macaronesia, Mediterrânica e  Atlantica) e esta heterogeneidade traz uma elevada diversidade e riqueza à sua flora”.

Durante a investigação, os botânicos encontraram uma dessas três espécies, a Armeria arcuata. Esta é uma espécie endémica do litoral sudoeste de Portugal que se acredita extinta.

Os últimos registos datam do final do século XIX. Segundo a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental, a Armeria arcuata “não voltou a ser observada desde então, apesar de ter sido efetuada prospeção dirigida ao longo das últimas décadas. Face à ausência de registos recentes e às profundas alterações do uso do solo ocorridas na sua área de distribuição histórica, é avaliada como Extinta”. 

Agora, estes investigadores descobriram que a espécie parece ter sido inconscientemente preservada no Jardim Botânico da Universidade de Utrecht, na Holanda. Ali existem três ou quatro plantas.

Estão agora a ser desenvolvidos estudos genéticos para confirmar a sua redescoberta. “Neste momento estamos ainda em processo de uma identificação pormenorizada. Mas a situação de pandemia e confinamento não tem ajudado”, lamentou David Draper. “Estamos à espera de poder aceder ao material depositado no herbário do Museu Nacional de História Natural e da Ciência para poder comparar, mas o confinamento tem dificultado este acesso.”

Por isso, diz que “à data de hoje não podemos confirmar que foi redescoberta.”

David Draper tem trabalhado em conservação, nomeadamente na Península Ibérica. “A minha contribuição (nesta investigação) tem sido rever os registos das espécies de Portugal e colaborar com os colegas espanhóis para aferir situações diversas. Foi precisso contactar com vários colegas dos Açores e da Madeira para conferir dados e resolver situações”, explicou à Wilder. 


Que novos caminhos para estas 17 espécies?

Esta redescoberta vai permitir implementar programas de conservação para várias destas espécies, consideradas raras ou sob ameaça de uma extinção definitiva, acreditam os investigadores.

Mas, como adverte o investigador, “cada caso é um caso”. Algumas das plantas terão hipóteses “pois tratava-se de um problema de identificação e até podem deixar de estar ameaçadas com alguma gestão”.

Ranunculus mutinensis é uma das espécies que continua extinta mesmo após todos os esforços realizados. Apenas se conservam registos em herbário. Foto:
©: Herbarium Centrale Italicum, Universidade de Florença (Itália). Permissão para utilizar esta foto atribuída a Thomas Abeli, Departamento de Ciência, Universidade Roma Tre (Itália).

Para outros casos, “embora tenhamos redescoberto as espécies, há um longo caminho pela frente. É preciso investigação, cooperação entre instituições, desenvolvimento de legislação… Uma coisa é que tenhamos redescoberto uma espécie e outra muito diferente é chegar a ter novas populações silvestres dessa espécie”.

No caso de a planta que na Holanda identificaram como Armeria arcuata, ser mesmo essa espécie haveria muitas frentes de trabalho. “Seria preciso multiplicar os três, quatro indivíduos que conservam e conseguir sementes. Seria necessário multiplicar esse material (não serve a multiplicação in vitro por ser uma via de clonagem e o que é preciso é diversidade genética, via semente) e convém que a multiplicação seja feita em vários jardins botânicos para não ‘pôr todos os ovos no mesmo cesto'”, explica David Draper.

Além disso, independentemente do processo de multiplicação “tem que ser feito um estudo pormenorizado da viabilidade genética da espécie, pode-se dar o caso de conseguir mantê-la viva mas nunca chegar a voltar a tê-la em estado silvestre”.

Outra frente “é, chegado o momento, garantir que temos um número significativo de indivíduos para serem reintroduzidos no terreno. Sobretudo é preciso assegurar que as causas da sua primeira extinção já não se verificam e que não afetam a sua viabilidade futura”.

Embora haja casos bem sucedidos de plantas na Europa, em que todo este processo tem corrido bem, ainda há poucas referências e “em conservação há muitas mais incertezas do que certezas”.

“É fundamental prevenir extinções. A prevenção é certamente mais viável do que eventuais tentativas de ressuscitar espécies através de material genético, uma área por enquanto puramente teórica e com fortes limites técnicos e tecnológicos”, salienta David Draper.

Os investigadores consideram altamente promissores estes resultados, em termos do impacto na conservação das 17 espécies redescobertas. “Graças a estes resultados a Europa ‘recupera’ biodiversidade, um passo importante para atingir as metas internacionais estabelecidas pela Convenção para a Diversidade Biológica e a Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável”, acrescenta.

Para David Draper, estes resultados da investigação são “uma excelente justificação para continuar a trabalhar em conservação. É muito reconfortante”. 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.