“Regresso da caça à cabra-brava no Gerês seria incompreensível”

Foram suspensas as jornadas em Arcos de Valdevez que, segundo o FAPAS, iriam promover a caça à cabra-brava na Peneda-Gerês. Para Miguel Dantas da Gama, podermos voltar a caçar este animal “seria incompreensível”.

 

Hoje, a Agência Lusa noticia que as I Jornadas Internacionais – Sustentabilidade Económica dos Espaços Ordenados e Protegidos, marcadas para 13 e 14 de Abril, foram suspensas, conforme anunciado pelo Clube Português de Monteiros. O presidente daquela associação, Artur Torres Pereira, invocou “razões técnicas” para a suspensão do evento, citou o jornal Público.

Há pouco mais de uma semana, a 28 de Março, o FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens denunciou, em comunicado, a “promoção da caça à cabra-brava no Parque Nacional da Peneda-Gerês”, durante as jornadas Internacionais.

 

Cabra-montês (Capra pyrenaica vitoriae). Foto: Arturo de Frias/Wiki Commons

 

As jornadas eram promovidas por duas associações ligadas à caça, o Clube Português de Monteiros e o Safari Clube Internacional – Lusitânia Chapter, com o apoio do Município de Arcos de Valdevez, do Ministério da Agricultura/ICNF, do Turismo do Norte e com a anunciada presença do ministro do Ambiente e do Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural para as sessões de abertura e de encerramento, respectivamente.

O tema seria a vocação cinegética do Parque Nacional Peneda-Gerês, notando a organização do evento a “existência recente de um importante efectivo de cabras monteses no território de diversos municípios que integram o Parque Nacional da Peneda Gerês”.

No seu comunicado, o FAPAS apelou à Câmara Municipal de Arcos de Valdevez para que anulasse o evento e ao ministro do Ambiente e ao secretário de Estado das Florestas para que nele não participassem.

Ontem, durante o debate mensal no Parlamento, o deputado do PAN (partido Pessoas-Animais-Natureza), André Silva, questionou o primeiro-ministro sobre o assunto, sublinhando que o objetivo das jornadas passaria por “voltar a caçar a cabra montês” no Parque Nacional da Peneda-Gerês. André Silva referiu que “mais grave ainda” era “a anunciada presença do ministro do Ambiente no evento”.

Na resposta, António Costa disse que nem o ministro do Ambiente nem outro membro do Governo “apadrinhará ou estará presente no evento”.

“Para nós foi uma pequena vitória numa guerra em que estamos muito empenhados”, comentou hoje à Wilder Miguel Dantas da Gama, do FAPAS. “Somos frontalmente contra a caça à cabra-brava no Parque Nacional da Peneda-Gerês. Tal seria injusto, inqualificável e incompreensível.”

A cabra-brava extinguiu-se em Portugal no século XX devido ao excesso de caça até que, em 1999, foram avistadas cabras nas serras Amarela e do Gerês, animais que terão fugido dos cercados instalados na serra do Xurês, na Galiza, no âmbito de um projecto de reintrodução da espécie.

Estando de regresso há apenas 20 anos, esta cabra-brava conquista a pouco e pouco o seu território histórico. “Estimo que existam hoje na Peneda-Gerês cerca de 500 indivíduos”, disse Miguel Dantas da Gama, naturalista dedicado ao estudo e protecção do único parque nacional de Portugal há várias décadas.

 

 

Mas, se o coberto vegetal desta área protegida não estivesse tão degradado – por causa, por exemplo, dos incêndios e do pastoreio de vacas e cavalos – haveria condições para a população de cabra-brava aumentar.

Ainda assim, as cabras-bravas que hoje vivem no parque nacional não são iguais às que se extinguiram por volta de 1892. Apesar de serem da mesma espécie (Capra pyrenaica), são de uma subespécie diferente, explicou Miguel Dantas da Gama.

“Existiam quatro subespécies de Capra pyrenaica, sendo que duas delas já se extinguiram, a Capra pyrenaica pyrenaica – que vivia nos Pirinéus -, e a Capra pyrenaica lusitanica, a nossa. Hoje apenas restam a Capra pyrenaica hispanica – na Serra Nevada – e a Capra pyrenaica victoriae, a que vive hoje em Portugal.”

Hoje, a população do Parque Nacional da Peneda-Gerês “está estável, com algumas variações de ano para ano”. A cabra-brava vive em grande parte das áreas não habitadas por povoações humanas daquela área protegida.

Ainda assim, é considerada frágil por ser a única que existe em todo o país e por estar isolada. Tem estatuto de Criticamente Em Perigo de extinção pelo Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (2005).

“Não nos podemos dar ao luxo de perder a cabra-brava novamente, especialmente com o que lhe fizemos há mais de 100 anos, com perseguições e caçando até ao último animal”, acrescentou o naturalista. “Permitir a caça à cabra-brava seria trazer de volta a causa que a dizimou do nosso país.”

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Leia aqui sobre a reintrodução da cabra-brava nos Pirinéus.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Miguel Dantas da Gama sugere três visitas à Peneda-Gerês que vai querer fazer nas férias.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.