Rio de Torres Vedras recebe 400 peixes para travar extinção de uma espécie

Cerca de 400 ruivacos-do-oeste vão ser devolvidos à natureza amanhã para reforçar as populações da espécie no rio Alcabrichel, em Torres Vedras. A Wilder falou com Carla Santos, bióloga que trabalha para travar a extinção deste peixe que vive ali há sete milhões de anos.

 

Esta será a terceira vez que o rio Alcabrichel recebe um reforço de ruivacos-do-oeste (Achondrostoma occidentale), uma das espécies de peixe de água doce mais ameaçados em Portugal, no âmbito do projecto “Conservação ex-situ de organismos fluviais”.

Com a libertação destes cerca de 400 peixes, tenta-se travar o desaparecimento da espécie, cujo território mundial são três ribeiras de Torres Vedras e Mafra.

“Estes peixes, que não toleram água salgada, não podem seguir o curso do rio até ao mar e depois entrar em outro rio com melhores condições para a sua sobrevivência”, disse Carla Santos, bióloga do CB – ISPA. “É como se vivessem isolados em ilhas”, sem formas de escapar à poluição ou a predadores.

O primeiro repovoamento, para reforçar as populações selvagens no rio Alcabrichel – que nasce na Serra de Montejunto e percorre 25 quilómetros antes de desaguar no oceano Atlântico -, aconteceu em 2011 e este segue os mesmos moldes. Todos os animais vieram do Posto Aquícola de Campelo, perto de Figueiró dos Vinhos, onde são reproduzidos em cativeiro, com a menor intervenção humana possível. Depois são devolvidos ao rio de origem. “Deixamos que eles se reproduzam naturalmente, sem manipulação reprodutiva. Isto é importante para garantirmos que os peixes depois se consigam adaptar à vida no rio, em estado selvagem”, explicou a bióloga.

Por isso mesmo, o número de animais disponíveis para libertar nunca é certo. “Depende muito porque há gerações com maior produtividade do que outras. Mas nunca aconteceu termos menos de 300 animais para devolver ao rio.”

Amanhã bem cedo, duas horas antes do repovoamento, Carla Santos e os colegas estarão no Posto de Campelo a preparar tudo para a libertação dos peixes. “Vamos despejar o tanque e identificar cada animal com um corte na barbatana dorsal. Esta quando regenera deixa uma cicatriz que nos permite, mais tarde, detectar quais os peixes no rio que vieram de Campelo”, explicou. Até agora, “a taxa de recaptura no Alcabrichel é bastante elevada”, acrescentou.

A libertação dos peixes acontece sempre na Primavera. “A altura do ano é crucial. No Inverno há um grande caudal no rio e os peixes seriam arrastados, dificultando-lhes a tarefa de colonizarem o rio tranquilamente. E no Verão já teria terminado a época de reprodução.”

Segundo Carla Santos, os peixes a libertar amanhã são todos adultos maduros, que estão prestes a libertar os seus ovos. “Vão ajudar a repovoar o rio nas próximas semanas, sendo que cada fêmea põe em média cerca de 300 ovos” por ano.

Mas antes da libertação – à qual deverão assistir a secretária de Estado do Ordenamento do Território e da Conservação da Natureza, Célia Ramos, e o presidente da autarquia de Torres Vedras, Carlos Bernardes -, a equipa do projecto vai capturar naquele rio 30 peixes reprodutores selvagens, com pesca eléctrica. “Estes serão levados para Campelo para reiniciarmos o processo. A ideia é daqui a dois, três anos termos novos 300 peixes para reforçar o Alcabrichel.”

O ruivaco-do-oeste é apenas uma das espécies alvo deste projecto de conservação, lançado em 2008 e que reúne a Quercus – Associação nacional de conservação da natureza, o Aquário Vasco da Gama, o MARE-ISPA e a Faculdade de Medicina Veterinária. O grande objectivo é “reproduzir e manter populações ex situ de algumas das espécies de peixes de água doce mais ameaçadas no nosso país”, explica um comunicado do projecto divulgado hoje.

“Em 2005, sinalizámos este peixe como estando à beira da extinção. Se apanhássemos 20 nas monitorizações era bom; hoje, depois destes repovoamentos, já conseguimos apanhar mais peixes. É um bom indicador”, diz a bióloga.

Mas cuidar de um rio passa também pela sua reabilitação, melhorando o habitat para estas e outras espécies. Contudo, esta é uma questão difícil de resolver. De momento não existe financiamento. “Ainda assim acreditamos que se as populações de peixes forem reforçadas estaremos a ganhar tempo para reabilitar o rio.”

Carla Santos entende que é muito importante conservar estes peixes. “Estas espécies estão aqui há mais de sete milhões de anos e têm um percurso evolutivo tão antigo e único que não poderia assistir de braços cruzados à extinção de uma espécie à porta de casa.”

Além disso, a sua conservação tem implícita a conservação das linhas de água. “Estas são as artérias do planeta. Estas águas vão parar à praia de Santa Cruz e a outras aqui perto, e ao agricultor que produz peras aqui ao lado. É importante que a água não esteja contaminada. Como cidadã, quero ver o meu país em boas condições.”

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez

Carla Santos deixa duas ideias para ajudarmos a conservar estes animais.

“É importante termos cuidado para que as águas residuais não estejam cheias de poluentes que entopem as ETAR (Estações de Tratamento de Águas Residuais), como óleos, medicamentos ou restos sólidos que não são processados.”

Depois há a questão das limpezas das margens dos rios. “Por vezes são feitas limpezas massivas onde toda a vegetação é cortada – normalmente a cana, uma exótica – sem haver a preocupação em replantar ali espécies nativas que ajudem a estabilizar as margens e a travar a erosão.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.