ramos de um arbusto

Será que Portugal está prestes a ter uma nova espécie de morcego?

Uma equipa internacional de investigadores descobriu para a Ciência uma nova espécie de morcego na Europa, incluindo na Península Ibérica. A ocorrência do morcego-de-franja-críptico em Portugal ainda terá de ser estudada.

 

A nova espécie é o morcego-de-franja-críptico (Myotis crypticus). Até agora esta espécie era confundida com outra espécie estreitamente aparentada, o morcego-de-franja do Sul (Myotis escalerai), da qual só se diferencia por subtis características externas, revelou nesta terça-feira o Conselho Superior de Investigações Científicas espanhol (CSIC).

Esta última espécie ocorre em Portugal. Segundo o Atlas dos Morcegos de Portugal Continental, o morcego-de-franja do Sul “distribui-se por todo o território continental, sendo que os poucos abrigos conhecidos da espécie vão do litoral ao interior”.

A descoberta da nova espécie para a Ciência resultou de um trabalho de uma equipa internacional de investigadores, coordenada pelo CSIC.

 

Exemplar de morcego-de-franja-críptico. Foto: EBD

 

Um artigo publicado na revista Acta Chiropterologica confirma que as duas espécies são muito diferentes geneticamente.

“Como passou desapercebida até agora? Os morcegos estão representados por 53 espécies na Europa, mas muitos deles são muito parecidos e é preciso recorrer a comparações genéticas para verificar a sua identidade”, explicou, em comunicado, Javier Juste, investigador da Estação Biológica de Doñana e um dos principais autores do estudo.

Segundo este investigador, “a informação das sequências de ADN é indiscutível: as duas espécies são muito diferentes geneticamente e não se misturam, apesar de partilharem muitas áreas nos bosques de montanha da metade Norte da Península”, acrescentou Juste.

 

E em Portugal?

Actualmente sabe-se que a nova espécie de morcego se distribui pelos bosques de montanha do Norte da Península Ibérica, no Centro Sul de França, Suíça e em Itália.

Segundo Jorge Palmeirim, biólogo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e que estuda morcegos há 40 anos, “é possível que (o morcego-de-franja-críptico) esteja presente no Norte do país”. Antes de mais, será “importante esclarecer se a espécie existe de facto em Portugal”, explicou ontem à Wilder.

Caso essa possibilidade se confirme, “a nova espécie constituirá mais um elemento importante da rica biodiversidade de Portugal, mas aumenta também as nossas responsabilidades de conservação”, acrescentou o especialista neste grupo de mamíferos.

“Será necessário determinar o seu estatuto de conservação, assim como identificar eventuais fatores que a possam ameaçar.”

Actualmente existem em Portugal continental 25 espécies de morcegos, três das quais em perigo de extinção (morcego-de-ferradura-mediterrânico, morcego-de-ferradura-mourisco e morcego-rato-pequeno).

Na verdade, Portugal foi um dos primeiros países europeus a ter um Plano de conservação dos morcegos cavernícolas, espécies particularmente ameaçadas, publicado em 1992 e da responsabilidade de Jorge Palmeirim e de Luísa Rodrigues (do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas).

Desde então têm sido monitorizados, anualmente, os abrigos de criação e hibernação mais importantes e implementadas várias medidas, como a construção de abrigos artificiais e a protecção de abrigos, através da sua vedação, por exemplo.

Jorge Palmeirim considera que esta descoberta “tem consequências importantes para a conservação, já que não apenas a sua identificação na natureza é muito difícil, mas como a sua distribuição geográfica e o estado das suas populações são em grande parte desconhecidos”.

“E dado que a nova espécie vive em zonas florestais de Itália, Suíça, França e Espanha, sob pressão humana crescente, é urgente estudá-la com detalhe para determinar o seu estado de protecção.”

 

Uma nova espécie para o Norte de África

No mesmo artigo da revista Acta Chiropterologica também se descreveu uma outra espécie nova para a Ciência, o morcego Myotis zenatius do Norte de África.

O seu estado de conservação pode ser ainda mais crítico do que o do morcego-de-franja-críptico. A nova espécie é extremamente vulnerável e rara e apenas se conhecem algumas grutas que o albergam nas montanhas do Magreb em Marrocos e na Argélia, onde as perturbações humanas são frequentes.

Apesar de apenas agora se conhecer esta espécie, é possível que mereça ser incluída na lista das espécies Em Perigo de extinção, dizem os investigadores.

As descobertas para a Ciência de novas espécies de morcegos são marcos cruciais. “Nos últimos anos, a Ciência tem revelado que algumas espécies que se pensava terem grandes distribuições geográficas eram afinal não uma espécie única mas sim complexos de espécies morfologicamente muito semelhantes, algumas com distribuições reduzidas e portanto particularmente vulneráveis”, comentou o especialista português em morcegos.

“Assim, falhas no reconhecimento de espécies que são, de facto, distintas podem resultar em incorreções no planeamento da sua conservação. Mesmo que um grupo taxonómico esteja genericamente protegido, como é o caso dos nossos morcegos, algumas espécies necessitam de medidas de conservação específicas.”

Além disso, “numa perspetiva puramente científica, a descoberta destas espécies morfologicamente tão semelhantes levanta também questões muito interessantes. Qual será a história evolutiva que resultou na formação de cada uma destas espécies? Onde e quando terá evoluído cada uma delas? Quais serão as vantagens adaptativas que permitem que espécies tão semelhantes coexistam na mesma região ou em regiões adjacentes? As respostas a estas perguntas poderão, por exemplo, ajudar a compreender os padrões de distribuição da biodiversidade no planeta”.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Aqui ficam sete coisas sobre os morcegos que precisa saber.

 

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Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.