O investigador Filipe Ribeiro, um dos coordenadores do projecto, segurando num siluro. Foto: EFE/J.J. Guillen

Siluro: Este peixe é um enorme problema para a biodiversidade no rio Tejo

Fique a conhecer melhor o décimo maior peixe de água doce do mundo, que é hoje um “enorme problema” para a biodiversidade do Tejo e para algumas das actividades económicas da região.

No âmbito de uma nova série sobre espécies aquáticas invasoras, a Wilder falou com Filipe Ribeiro, do projecto LIFE Invasaqua, que explica o que se passa com o siluro em Portugal:

De onde é originário?

O siluro (Silurus glanis), também conhecido por peixe-gato europeu, é originário da Europa Central e é “um peixe invasor dos nossos rios”, indica o investigador português, que faz parte da equipa do LIFE Invasaqua. Este projecto luso-espanhol, lançado publicamente em 2019 e co-financiado por fundos europeus, tem como objectivo travar as espécies aquáticas invasoras nos rios e estuários dos dois países.

Siluro. Foto: LIFE Invasaqua

Como chegou a Portugal?

Foi na década de 1970 que o siluro foi introduzido ilegalmente nas águas do rio Ebro, na região espanhola da Catalunha. Anos mais tarde, em 1998, “pescadores introduziram-no no rio Tejo em Espanha”, lembra Filipe Ribeiro, que trabalha como investigador no MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, no pólo da Universidade de Lisboa.

Esta espécie tem um enorme interesse para a pesca desportiva, pois “pode atingir 2,8 metros e 120 quilos de peso, constituindo um grande troféu de pesca.”

Siluro capturado em Vila Velha de Ródão. Foto: Rui Rodrigues

Em Portugal terá sido observado menos de uma década depois: os primeiros registos datam de 2006, mas a sua existência foi confirmada apenas em 2014.

Onde é que está presente?

Hoje, sabe-se que “existe no troço principal do rio Tejo e nas respectivas barragens”, mas pode estar mais espalhado, pois “começam a surgir os primeiros registos não-confirmados no rio Douro.”

Apesar de ser o décimo maior peixe de água doce do mundo, em Portugal atinge dimensões menores: o comprimento médio ronda 1,2 metros e cerca de 8 a 10 kg.

E até que ponto é abundante em Portugal?

“Em Julho comecei a receber várias informações independentes de pescadores profissionais, com capturas diárias de 40 a 50 siluros!”, salienta Filipe Ribeiro. Mas não só. “Outro pescador disse-me que tinha observado uma agregação de 200 siluros a nadar à superfície junto às Portas de Ródão”, acrescenta.

A situação terá piorado nestes últimos dois anos. “Desde 2016 que monitorizamos anualmente a população de siluros na barragem de Belver, e entre 2019 e 2020 capturámos mais siluros num dia do que no total dos outros anos juntos.”

Por enquanto não há estimativas para as populações portuguesas deste peixe, mas os cientistas acreditam que serão valores semelhantes aos já determinados para o rio Garonne, em França: um peixe adulto por cada metro de rio. “Entre a barragem de Belver e a Barragem do Fratel são 20 quilómetros de distância, 20 mil metros de barragem/rio. Portanto pelo menos 20 mil siluros só nesse troço português”, calcula o investigador.

Todavia, esta é uma estimativa “grosseira” e pode estar abaixo dos valores reais, uma vez que “as populações do Tejo poderão ser mais produtivas” do que no rio Garonne, com águas mais frias.

Mas afinal qual é o problema com este peixe?

“É de facto um enorme problema para a biodiversidade que existe no Tejo, mas também para um dos serviços dos ecossistemas que o Tejo nos dá: a pesca profissional e o valor gastronómico da região!”, assevera o biólogo.

Isto porque o siluro é um predador de topo que todos os dias precisa de comer presas que equivalem a pelo menos dois por cento do seu peso. “Recentemente publicámos um trabalho sobre a sua alimentação e observámos que siluros com mais de um metro de comprimento comem uma grande variedade de peixes, alguns importantes para nós como a lampreia-marinha ou o sável. Ora havendo dezenas milhares de siluros ao longo do rio Tejo, todos os dias são consumidas várias toneladas de peixes.”

Equipa de investigadores com um dos siluros capturados. Foto: LIFE Invasaqua

Os peixes que são “caçados” têm poucas hipóteses de fuga deste predador com “uma enorme capacidade de aprendizagem”. Os siluros juntam-se em grupos de dezenas para organizarem emboscadas, “para predar os sáveis e os barbos quando estes se juntam para desovar.”

“Prevemos que nas próximas décadas seja tão abundante que irá constituir uma autêntica praga no rio Tejo, colocando em perigo vários valores naturais e societais”, avisa Filipe Ribeiro.

O que está a ser feito hoje em dia para erradicar ou controlar o crescimento das populações de siluro? E o que deveria ser feito?

O investigador do MARE não acredita que haja possibilidade de erradicar o siluro do Tejo, mas podem aplicar-se medidas para que “o controlo populacional da espécie possa ser possível”.

A lei obriga os pescadores desportivos a retirar estes peixes dos rios, quando os apanham. No entanto, “muitos pescadores desportivos vêem os siluros como troféus de pesca, têm um certo fascínio pela espécie, e portanto a grande maioria devolve-os ao rio apesar de ser contra a lei”, nota.

Filipe Ribeiro acredita que “seria importante determinarmos as abundâncias reais de siluros no rio Tejo, e depois implementar um programa de controlo populacional da espécie maximizando a nossa eficiência de pesca”. Por exemplo? “Direccionar o nosso esforço para os momentos e locais onde se fazem agregações de siluros.”

E cada um de nós pode ajudar de que forma?

“É importantíssimo continuar a sensibilização dos pescadores desportivos para fazer com que não continuem a dispersar os siluros por outros rios e barragens em Portugal.” Esse é aliás um dos objectivos do LIFE Invasaqua, lembra o investigador.

Por outro lado, “cada um de nós pode sempre registar observações/capturas de Siluro na página do FRISK no Biodiversity4ll.org. “Isso ajuda-nos a perceber melhor a sua progressão no nosso território.”


A série “Espécies Aquáticas Invasoras” dá-lhe a conhecer algumas das espécies invasoras de rios e estuários portugueses que mais preocupam os cientistas.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.