Urso-pardo. Foto: Thomas Wilken/Pixabay

Três naturalistas contam-lhe como podemos receber bem os ursos-pardos em Portugal

O nosso país poderá tornar-se uma área de dispersão para os ursos-pardos da Cordilheira Cantábrica. A Wilder perguntou a três naturalistas o que podemos fazer para receber bem estes icónicos animais.

A presença confirmada de um urso-pardo (Ursus arctos) em Portugal, a primeira desde 1843, está a entusiasmar a comunidade naturalista.

“É um momento para celebrar”, disse esta tarde à Wilder Francisco Álvares, investigador do CIBIO-InBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos. “É entusiasmante por ser a presença de uma nova espécie em Portugal. Ainda me lembro de ver as primeiras cabras-bravas em Pitões (Gerês), em cima de um penedo, dias depois de terem sido reintroduzidas, depois de terem desaparecido do país. Ou como os linces-ibéricos que estavam extintos voltaram. Ou os primeiros casais de águia-imperial.”

“Dá esperança termos um país que ainda tem a capacidade para receber uma espécie como o urso-pardo.”

Tanto Francisco Álvares como Miguel Dantas da Gama, escritor naturalista e dirigente do FAPAS – Fundo para a Protecção dos Animais Selvagens, não acreditam que Portugal tenha condições para fixar um núcleo reprodutor de urso-pardo.

“Não vejo condições para termos uma população”, disse à Wilder Miguel Dantas da Gama. “Se a população da Cordilheira Cantábrica continuar a expandir-se, poderemos ser uma franja marginal, com incursões pontuais de urso, conforme tenhamos um habitat melhor ou pior.”

Na sua opinião, isto acontece porque “temos três coisas contra nós”: a degradação do coberto vegetal, a falta de grandes espaços libertos para a dispersão do urso – com zonas de refúgio sem pressão humana – e os efeitos das alterações climáticas que podem influenciar a hibernação dos animais. “Aqui os ursos tendem a não hibernar. Por isso, os dispersantes andarão errantes no território e terão dificuldade em encontrar alimento no Inverno”.

Paulo Caetano, um dos autores do livro “Urso Pardo em Portugal – Crónica de uma extinção“ (juntamente com Miguel Brandão Pimenta), diz que “ainda é cedo para tirarmos conclusões”. Mas acredita que “levará várias dezenas de anos a acontecer um eventual regresso”.

“Em Portugal não temos vestígios de reprodução do urso desde o século XVII”, lembra Paulo Caetano. As últimas provas de uma população reprodutora em Portugal, na zona do Gerês, datam de 1650. “Acho que os ursos-pardos vão primeiro colonizar os territórios mais próximos dos núcleos reprodutores e é possível que em 10 ou mais anos se fixem no centro da Galiza”.

Francisco Álvares acredita que “Portugal vai ser sempre uma área de dispersão” mas ainda assim “teremos uma grande responsabilidade, garantindo a sua permeabilidade e adequabilidade” e ajudando esta espécie a regressar aos seus territórios históricos na Península Ibérica.

“Estamos a beneficiar da expansão para Sul da população, graças ao sucesso do trabalho dos colegas espanhóis na Cordilheira Cantábrica. Eles são a prova de que com um forte empenho e medidas para proteger uma espécie, ela reage positivamente”, diz Miguel Dantas da Gama.

Como preparar Portugal para o urso-pardo

De acordo com estes especialistas, é expectável recebermos outros ursos-pardos nos próximos anos. A zona de Montesinho será uma das mais indicadas para a entrada destes animais em Portugal, não só por estar mais perto da população da Cordilheira Cantábrica mas também por ter boas condições de habitat.

Miguel Dantas da Gama considera importante haver boa disponibilidade de alimento. “Na Península Ibérica, os ursos são, essencialmente, herbívoros”, explica. Alimentam-se de plantas herbáceas, de bagas como os mirtilos e frutos como as avelãs, as bolotas e as nozes. Por vezes não resistem às formigas e desmancham formigueiros. “Devíamos plantar árvores com bagas e frutos, como as cerejeiras ou as avelaneiras, para reforçar a disponibilidade de alimento nas várias épocas do ano”, sugere Miguel Dantas da Gama.

Além disso, “os lameiros são muito importantes, especialmente quando ainda não há frutos nem bagas na natureza”.

“O urso-pardo é um bicho de bosque e exige biodiversidade, uma vegetação rica, um habitat bem conservado para ter uma boa variedade de alimento.” 

Paulo Caetano é da mesma opinião. “Não vamos conseguir que o urso regresse se o coberto vegetal estiver degradado e se só tivermos zonas de monoculturas.”

Além das árvores e dos lameiros, outra sugestão é expandir colmeais e proteger aqueles que não sejam para o acesso dos ursos. Isto porque o mel também faz parte da dieta dos ursos. Francisco Álvares defende a importância de “instalar linhas eléctricas ou muros apiários, para gerir eventuais ataques a colmeais”.

Miguel Dantas da Gama recorda que ainda existem muros apiários, chamados silhas, em alguns locais do Gerês. Mas com o desaparecimento dos ursos da região, deixaram de ser necessários e hoje estão em ruínas.

Na verdade, diz Francisco Álvares, “a produção de mel será a única coisa em que o urso-pardo poderá entrar em conflito com as comunidades locais, mas mesmo isso é facilmente minimizável”.

“O urso-pardo não é uma espécie perigosa, como outros ursos da América do Norte”, conta Miguel Dantas da Gama. “Não é um predador. Aqui na Península Ibérica os ursos são essencialmente herbívoros, pacíficos.” O risco de ataques a humanos é quase inexistente. “Apenas as ursas com crias poderão atacar, fazendo valer o seu instinto protector.”

O Parque Natural de Somiedo, nas Astúrias, é um caso de sucesso de convivência entre ursos e populações humanas. “Aqui o urso é uma mais-valia extraordinária, é um excelente motor económico numa zona economicamente deprimida”, diz Francisco Álvares.

Ainda assim, os naturalistas defendem ser necessário educar e sensibilizar as populações. “É preciso sensibilizar a população, porque acontecimentos como este podem começar a tornar-se mais frequentes”, diz Paulo Caetano.


Saiba mais sobre o urso-pardo.

O urso-pardo mede entre metro e meio e dois metros. Os machos podem pesar entre 80 e 240 quilos e as fêmeas entre 65 e 170 quilos.

A população mundial de urso-pardo está estimada em cerca de 200.000 animais. A Rússia tem as maiores populações (estimadas em 120.000 ursos), seguida dos Estados Unidos (32.200, dos quais 31.000 no Alasca) e Canadá (25.000). Há ainda ursos na China e no Japão.

Na Europa, excluindo a Rússia, calcula-se que existam cerca de 14.000 ursos. No Sul da Europa, esta é uma espécie Em Perigo de extinção, com populações pequenas na Grécia, Cordilheira Cantábrica, Abruzzo, Trentino e Pirinéus.