Turbinas eólicas tiram espaço de voo a aves planadoras em migração

Novo estudo descobriu outro impacto dos parques eólicos nas aves. Além da mortalidade por colisão com as pás dos aerogeradores, aves planadoras como o milhafre-preto perdem habitat e espaço de voo durante as migrações.

 

Todos os anos no Outono, milhares de aves da Europa concentram-se no Sul de Espanha, preparando-se para atravessar o Estreito de Gibraltar em direcção a África, onde passam o Inverno.

As aves planadoras usam correntes térmicas ascendentes para voarem sem gastar tanta energia, fazendo voos planados. Como sobre o mar não existem essas correntes, as aves têm de escolher atravessar onde a extensão de água é menor. Isto é, o Estreito de Gibraltar.

Durante o Outono de 2012 e o Outono de 2013, uma equipa de investigadores de várias instituições europeias seguiu 130 milhafres-pretos (Milvus migrans) graças a equipamento GPS de alta-precisão em Tarifa, região do Sul de Espanha com 160 turbinas distribuídas por sete parques eólicos.

 

Milhafre-preto (Milvus migrans). Foto: Alejandro Onrubia

 

“Já tem sido estudada a mortalidade das aves e de outros animais associada aos aerogeradores mas ainda não tinham sido trabalhados outro tipo de efeitos mais indirectos”, explicou hoje à Wilder Ana Teresa Marques, estudante de doutoramento no Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais – cE3c(Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa) e no CEABN InBIO e primeira autora do estudo.

Na verdade, este é o primeiro estudo que quantifica a proporção de habitat perdido ou negativamente afetado pela presença de parques eólicos para as aves planadoras em migração. Para isso, os investigadores modelaram quais as áreas mais utilizadas pelos milhafres-pretos. Para acompanhar o voo das aves, a equipa utilizou dispositivos de telemetria por GPS de alta resolução temporal (um ponto GPS a cada minuto) e precisão de 1.5 metros. Para modelar as regiões mais favoráveis ao voo destas aves – com correntes de ar térmicas ou orográficas ascendentes – os investigadores utilizaram dados sobre o relevo e direcção e velocidade do vento.

O estudo, agora publicado na revista Journal of Animal Ecology, demonstra que uma área com cerca de 650 a 700 metros de raio à volta de cada turbina eólica é espaço de voo perdido para as aves planadoras. Uma “perda significativa”, dizem os autores do estudo.

 

Tarifa, sul de Espanha, província de Cádiz, onde o estudo foi realizado. Foto: Alejandro Onrubia

 

“Esta perda de habitat pode ser particularmente relevante para as aves planadoras que, no seu voo de migração, estão restritas a utilizar áreas com condições de vento específicas. Para estas aves, pequenas perdas de área adequada de voo podem ter um grande impacto na sua viagem migratória”, explica Ana Teresa Marques.

O milhafre-preto foi escolhido para o estudo por várias razões, disse a investigadora. “É a espécie mais comum na zona durante a passagem migratória, não tem problemas de conservação, é uma ave planadora de tamanho médio, que serve de modelo, e dava-nos alguma garantia de que conseguiríamos ter um bom número de aves seguidas.”

Mas além do milhafre-preto, há outras espécies planadoras que podem ser também afectadas, como a águia-calçada, a águia-cobreira e a cegonha-branca e a cegonha-preta.

“As aves planadoras estão muito dependentes de paisagens e de corredores de voo com condições de vento muito particulares”, salientou Ana Teresa Marques, que está a estudar a interação e a forma como as aves são afectadas por infraestruturas humanas, como parques eólicos, linhas eléctricas e estradas. Tudo o que fazemos tem um impacto.

No Outono concentram-se milhares de aves no Sul de Espanha para passar para África, numa zona onde já existem parques eólicos. “Tem-se tido algum cuidado com a mortalidade das aves para conciliar a migração com a produção de energia eólica. Mas em outras regiões, em especial na Ásia, estão a surgir grandes parques eólicos, com centenas de aerogeradores, em zonas onde se concentram milhares de aves”.

Os investigadores estimam que a magnitude do impacto observado em Tarifa será semelhante em outras regiões do mundo importantes para as aves migratórias e onde estão a ser construídos grandes projetos de energia eólica, como no istmo de Suez, no Egipto, ou no istmo de Tehuantepec, no México.

 

Grupo de migração de milhafres pretos (Milvus migrans). Foto: Alejandro Onrubia

 

A mensagem que os investigadores gostariam de passar é que “a energia eólica pode ter outro tipo de efeitos nas aves, além da mortalidade por colisão com as pás dos aerogeradores: isto é, o efeito de afastamento das aves”.

Por enquanto, ainda há perguntas sem resposta. Por que é que as aves evitam as turbinas eólicas? Será por uma questão visual, por serem um objecto que lhes causa estranheza? Ou será pela alteração no regime dos ventos?

Ainda assim, os investigadores recomendam o desenvolvimento de novas medidas reguladoras que permitam conciliar a conservação da vida selvagem com a produção de energia eólica em áreas importantes para a migração destas aves.

“Consideramos que se deve evitar construir parques eólicos em certas zonas mais sensíveis ou construí-los mas deixando espaço”, disse Ana Teresa Marques. “Por vezes não temos noção disso mas o espaço aéreo também é habitat. Lá em cima também se passam coisas. É preciso termos consciência da necessidade de preservar o aeroespaço.”

“Mesmo a energia eólica, uma das mais limpas, tem consequências. Quisemos dar um contributo para que possa ser ainda mais verde.”

 

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Este estudo foi desenvolvido em parceria com o Instituto Max Planck de Ornitologia (Alemanha), envolvendo investigadores da Universidade de Lisboa, Universidade do Porto, Universidade Federal do Pará (Brasil), Universidade de Málaga (Espanha), Instituto Norueguês para Investigação da Natureza, Universidade de Konstanz (Alemanha) e Fundação Migres (Espanha).

 

[divider type=”thick”]Saiba mais.

Descubra aqui qual o impacto dos parques eólicos para grifos e águias-reais.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.