UICN: Quatro escaravelhos e uma aranha dos Açores estão entre as primeiras espécies do mundo a ter um “Estatuto Verde”

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São espécies únicas, raras e ameaçadas. Quatro escaravelhos e uma aranha que só vivem nos Açores estão entre as primeiras 181 espécies do mundo a ter um “Estatuto Verde”. A Wilder falou com o investigador Paulo Borges, perito que as avaliou para a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).

Na semana passada foram publicados os “Estatutos Verdes” para as primeiras 181 espécies avaliadas por este novo mecanismo da UICN. A conservação mundial da natureza tem assim uma nova ferramenta.

Este novo instrumento “pretende medir o quão perto uma espécie está de ser totalmente ecologicamente funcional em toda a sua área de distribuição e quanto ela recuperou graças à acção de conservação realizada”, explicou à Wilder Paulo Borges, docente e investigador da Universidade dos Açores e investigador do Centro FCT cE3c- Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais.

“Cada avaliação de Estatuto Verde mede o impacto da conservação do passado na espécie, a dependência da espécie de acções de conservação de apoio contínuo, quanto uma espécie pode ganhar com uma acção de conservação nos próximos dez anos e o potencial para se recuperar no próximo século.”

Para já, há apenas 181 espécies com Estatuto Verde em todo o mundo. Cinco delas são da responsabilidade de Paulo Borges: quatro escaravelhos e uma aranha.

Este investigador lidera desde 2018 um dos grupos da UICN que se dedica a avaliar o estatuto de conservação das espécies de invertebrados terrestres das ilhas do Atlântico, o IUCN SSC Mid-Atlantic Island Invertebrates Specialit Group (MAIISG).

No âmbito deste grupo, Paulo Borges avaliou para a Lista Vermelha da UICN 284 espécies de artrópodes (incluindo aranhas, insectos) endémicos dos Açores. “Estamos agora também a avaliar o estatuto de conservação de espécies da ilha da Madeira”, acrescentou. 

“Consequentemente, fui convidado pela UICN para avaliar também algumas espécies dos Açores para os Estatutos Verdes das Espécies.”

O investigador português escolheu quatro escaravelhos e uma aranha dos Açores para fazerem parte do grupo inicial das 181 espécies avaliadas, onde se incluem, por exemplo, o condor-da-Califórnia, o tubarão-branco, o rinoceronte-de-Sumatra, o pangolim-malaio e a tartaruga-de-couro.

Paulo Borges decidiu escolher estas cinco espécies: a aranha-cavernícola-do-Algar-do-Carvão (Turyniphia cavernicola), o laurocho (Pseudanchomenus aptinoides), o carocho-da-terra-brava (Trechus terrabravensis) e dois escaravelhos-cascudos-da-mata (Tarphius floresensis e Tarphius serranoi).

O critério para escolher estas espécies e não outras é simples, explicou. Seleccionou “as três espécies que estão a ser alvo de conservação activa pelo Projecto LIFE-Beetles (Pseudanchomenus aptinoides, Tarphius floresensis e Trechus terrabravensis)”, “uma espécie cavernícola muito rara e ameaçada (Turyniphia cavernícola) e uma espécie muito rara e restricta a uma mancha muito pequena de floresta nativa, neste caso o Tarphius serranoi do Pico Alto na ilha de Santa Maria”.

A avaliação das espécies para lhes conferir um determinado “Estatuto Verde” é um trabalho complexo. Por exemplo, para perceber as hipóteses que uma espécie tem de recuperar, os peritos tiveram de analisar “o número de unidades espaciais em que a espécie está ausente devendo lá ocorrer, o número de unidades espaciais em que está presente, o número de unidades espaciais em que é viável a sua presença e o número de unidades espaciais em que as populações são funcionais”, explicou Paulo Borges.

“Nestes cálculos é possível obter um intervalo de valores entre o mais provável (best) e um valor mínimo e máximo para a recuperação. Quando a diferença entre o valor mínimo e máximo excede 40%, ou seja existe uma grande dúvida nos valores, considera-se que não é possível determinar com confiança a taxa de recuperação da espécie e classifica-se a espécie como ‘Indeterminada’. As outras categorias possíveis são ‘Totalmente Recuperada’, Ligeiramente Depauperada’, ‘Moderadamente Depauperada’, ‘Amplamente Depauperada’, ‘Criticamente Depauperada’ e, por fim, ‘Extinta na natureza’.”

Espécies que precisam de ajuda

As cinco espécies avaliadas por Paulo Borges para a UICN não estão de boa saúde e precisam de atenção.

Duas espécies – o laurocho e o carocho-da-terra-brava – ficaram classificadas com Estatuto Verde Indeterminada. “Temos muitas dúvidas sobre o que se está a passar com estas espécies.”

Para as duas espécies de escaravelhos-cascudos-da-mata foi possível verificar que estão Amplamente  Depauperadas devido à elevada degradação dos seus habitats e dificuldade de recuperar esses habitats”, especificou o investigador.

A situação é mais grave no caso da aranha-cavernícola-do-Algar-do-Carvão, que ficou classificada como Criticamente Depauperada. Isto porque esta aranha tem apenas três populações conhecidas no mundo. A espécie “tem apenas uma população segura na cavidade vulcânica Algar do Carvão, estando as outras duas populações conhecidas largamente ameaçadas e de difícil recuperação”.

A ameaça a estes pequenos animais explica-se facilmente. “A colonização humana dos Açores nos últimos 600 anos teve como consequência a destruição de 95% da vegetação nativa das ilhas”, explicou Paulo Borges. Isto teve um enorme impacto em inúmeras espécies. “A maior parte dos invertebrados endémicos dos Açores estão reduzidos a áreas relativamente pequenas de floresta nativa na maior parte das ilhas.”

Além da destruição da vegetação nativa, estas espécies enfrentam as ameaças do “avanço de algumas espécies de plantas invasoras, que estão a degradar o habitat de muitas espécies de invertebrados,” e do “impacto potencial das alterações climáticas”.  

Destas cinco espécies, duas viram ser-lhe atribuído um elevado potencial de recuperação: o escaravelho-cascudo-da-mata (Tarphius serranoi) e a aranha-cavernícola-do-Algar-do-Carvão. Segundo Paulo Borges, estas “são as espécies mais ameaçadas, para as quais futuras medidas de conservação dos seus habitats poderá levar a uma recuperação relativa mais importante.

Então, o que se pode fazer para ajudar estas espécies?

Segundo Paulo Borges, o escaravelho-cascudo-da-mata (T. serranoi) – que é uma espécie endémica da ilha de Santa Maria e restricta a uma pequena mancha de floresta nativa, a única população do mundo – vai precisar de uma “completa recuperação do seu habitat, com remoção de muitas plantas invasoras e plantação de árvores endémicas”.

“No caso da aranha, é expectável que se tenha de reproduzi-la em cativeiro e introduzi-la em mais cavidades vulcânicas na ilha Terceira.” Mas, o facto de que a maioria das grutas onde esta aranha poderia ocorrer estarem envoltas por pastagens e com as suas entradas muito degradadas, leva a que o seu habitat potencial esteja muito reduzido.

Paulo Borges entende que a reprodução em cativeiro desta aranha “seria possível e não muito difícil. Recentemente implementou-se um projecto com a aranha endémica das Desertas, a Hogna ingens“.

Três das espécies avaliadas – o escaravelho-cascudo-da-mata Tarphius floresensis, o laurocho e o carocho-da-terra-brava – estão a ser alvo de recuperação nos Açores, no âmbito do Projecto LIFE-Beetles. Este projecto, no qual Paulo Borges está envolvido, “vai permitir a recuperação dos habitats destas três espécies”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.