Abelha. Foto: Suzanne D. Williams/Pixabay

Um milhão de espécies estão ameaçadas de extinção

Nunca o declínio da natureza mundial foi tão alarmante como agora, alerta o mais completo relatório sobre a nossa relação com a biodiversidade, revelado hoje na sede da UNESCO, em Paris.


O relatório do Painel Intergovernamental sobre a Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas (IPBES) foi feito por 145 cientistas de 51 países nos últimos três anos. Estes peritos analisaram 15.000 artigos científicos e dados de comunidades locais para avaliar as alterações na natureza ao longo dos últimos 50 anos. O documento – que, na íntegra tem 1.800 páginas, resumidas no Sumário para os Decisores Políticos, com 40 páginas – revela os impactos da economia na natureza e traça cenários sobre como será o planeta nas próximas décadas.

Este relatório foi debatido com os representantes de mais de 130 países, reunidos em Paris de 29 de Abril a 4 de Maio na capital francesa. O relatório final foi o resultado de 45 horas de negociação, entre cientistas e políticos e foi aprovado às 03h00 de sábado, explicou hoje a Secretária-geral do IPBES, Anne Larigauderie.

“A riqueza dos ecossistemas dos quais nós e todas as outras espécies dependemos está a deteriorar-se a um ritmo sem precedentes”, disse Robert Watson, o anterior secretário-geral do IPBES, em comunicado. “Estamos a destruir os alicerces das nossas economias, da segurança alimentar, saúde e qualidade de vida a nível mundial.”

Segundo o relatório, cerca de um milhão de espécies de animais e plantas estão hoje ameaçadas de extinção. Muitas irão desaparecer já nas próximas décadas.

Fêmea de leão-africano. Foto: Stig Nygaard/Wiki Commons

“O que significa este relatório? Bem, é um soberbo relatório para alertar o mundo. A mensagem resume-se a isto: a biodiversidade é importante por si só, e também para o bem-estar humano e nós estamos a destruí-la”, acrescentou. 

A abundância média das espécies nativas na maioria dos habitats terrestres diminuiu pelo menos 20%, a maioria desde 1900.

Mais de 40% das espécies de anfíbios, quase 33% dos corais e mais de um terço de todos os mamíferos marinhos estão ameaçados.

A imagem é menos clara para as espécies de insectos. Mas, segundo o relatório, a estimativa é de que 10% estejam ameaçados. Os peritos acreditam que a percentagem real seja superior.

Desde o século XVI que, pelo menos, 680 espécies de vertebrados foram empurrados para a extinção.

O relatório revela ainda que três quartos do ambiente terrestre e 66% do ambiente marinho foram significativamente alterados pelas actividades humanas. Em 2015, 33% dos stocks pesqueiros estavam a ser explorados a ritmos insustentáveis.

Oceanos. Foto: Mobibit/Pixabay

“Os ecossistemas, as espécies, as populações selvagens, as variedades locais e as raças de plantas e animais domesticados estão a diminuir, a deteriorar-se ou a desaparecer”, comentou Josef Settele, um dos três principais autores deste relatório. “A teia da vida na Terra, essencial e interligada, está a ficar cada vez mais pequena e fragmentada. Esta perda é o resultado directo da actividade humana e constitui uma ameaça directa ao bem-estar humano em todas as regiões do mundo.”

As alterações no uso do solo são a principal causa da crise da natureza.

Actualmente, mais de um terço da superfície terrestre do planeta e 75% dos recursos hídricos foram transformados em áreas agrícolas e para criação de gado.

A degradação dos solos a nível mundial reduziu a produtividade dos mesmos em 23%, o declínio dos polinizadores gera perdas anuais de 577 mil milhões de dólares (cerca de 515 mil milhões de euros) nas culturas agrícolas e entre 100 a 300 milhões de pessoas estão em risco por causa de inundações e tempestades por causa da perda dos habitats costeiros que as protegiam.

Além das alterações no uso do solo, os investigadores apontam ainda a caça e exploração directa das espécies selvagens, as alterações climáticas, a poluição e as espécies exóticas invasoras.

A poluição por plásticos aumentou 10 vezes desde 1980 e entre 300 e 400 milhões de toneladas de metais pesados, solventes e outros resíduos de indústrias são despejados por ano nas águas do planeta. Os fertilizantes que chegam aos ecossistemas costeiros produziram mais de 400 “zonas mortas” nos oceanos, totalizando mais de 245 mil quilómetros quadrados, uma área total superior à superfície do Reino Unido.

Esta crise da natureza vai continuar até 2050 e para além disso em quase todos os cenários do relatório.

As metas mundiais para a conservação da natureza e desenvolvimento sustentável não serão cumpridas com as trajectórias actuais, alertam os peritos. Mais concretamente, as tendências negativas na biodiversidade e ecossistemas vão deitar por terra os progressos em 80% das Metas de Desenvolvimento Sustentável, relacionadas com a pobreza, fome, saúde, água, cidades, clima, oceanos e terra.

“A perda da biodiversidade não é apenas uma questão ambiental, mas também uma questão económica, social, de desenvolvimento, de segurança e de moral”, escrevem os autores do relatório.

Foto: Joana Bourgard

Esta ideia foi reforçada hoje por Audrey Azoulay, directora-geral da UNESCO, durante a sessão de apresentação do relatório. “Esta é uma questão fundamental para a paz e segurança e para as Nações Unidas.”

“Ainda não é demasiado tarde para fazer a diferença”, disse Josef Settele. “Mas apenas se começarmos agora e em todos os níveis, desde o local ao global.”

Os peritos sugerem uma “mudança transformadora”. “Através da ‘mudança transformadora’, a natureza ainda pode ser conservada, restaurada e usada de forma sustentável. Isto implica uma reorganização do sistema a nível tecnológico, económico e social, incluindo paradigmas, metas e valores”, acrescentou Watson.

O relatório apresenta caminhos possíveis, que serão debatidos e transformados em acção na COP15 dedicada à Biodiversidade a acontecer em 2020 na China.

Ontem, responsáveis do IPBES participaram na reunião dos ministros do Ambiente dos países do G7, reunidos desde domingo em Metz, França. Durante dois dias, os membros do G7 e os países convidados vão apresentar medidas concretas em várias questões, desde a protecção dos grandes símios aos corais. O relatório do IPBES foi apresentado durante a reunião para ser levado em conta.

“Queremos elevar o tópico da biodiversidade ao mesmo nível das alterações climáticas”, disse hoje em Paris Anne Larigauderie na conferência de imprensa. “O nosso relatório dá a evidência científica da degradação da natureza. Depois dele, ninguém pode alegar que não sabia o que se passava.” 

Na opinião dos especialistas, é preciso integrar a biodiversidade e os serviços dos ecossistemas na agricultura, floresta, sistemas marinhos e de água doce, zonas urbanas, energia e economia.

Além disso, o relatório sugere um afastamento do actual paradigma do crescimento económico, na direcção de políticas mais sustentáveis. “São precisos incentivos positivos para afastar subsídios que prejudicam a natureza”, disse Eduardo S. Brondízio, um dos três principais autores do relatório. “Temos de mudar a narrativa de que a qualidade de vida está em confronto com a conservação da biodiversidade e de que a perda de espécies é inevitável se quisermos ter boa qualidade de vida.”

Urso-pardo. Foto: Thomas Wilken/Pixabay

“O IPBES apresenta às autoridades dos vários países a ciência, o conhecimento e as opções políticas para serem tomadas em consideração”, comentou a actual secretária-executiva do IPBES, Anne Larigauderie. Tudo porque “a perda de espécies e da diversidade de ecossistemas é uma verdadeira ameaça mundial ao bem-estar humano”.

“As nossas conclusões são muito alarmantes.  Mas queremos dar ao mundo uma mensagem de esperança. Ainda não perdemos a batalha. A natureza conseguirá prevalecer se lhe derem a oportunidade.”

“A escala do problema é imensa”, salientou Robert Watson. “Se não agirmos agora, muitos milhões de espécies serão extintas como o dodo que tenho na minha gravata. Qual a urgência? Não temos tempo para desperdiçar. Espero que este relatório estimule o mundo a responder.”

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.