Leopardo-das-neves. Foto: Pixabay
Leopardo-das-neves. Foto: Pixabay

WWF: Humanidade dizimou 60% das populações de animais em 40 anos

A Humanidade dizimou 60% das populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios desde 1970, alerta a organização WWF. A perda da vida selvagem é uma ameaça à civilização.

 

A nova estimativa do impacto das actividades humanas sobre a vida selvagem foi feita por 59 cientistas de todo o mundo e apresentada ontem no novo relatório Planeta Vivo da WWF (World Wildlife Foundation).

Conclui que o consumo de alimentos e de recursos naturais pela população mundial está a destruir a teia da vida, da qual depende a própria vida humana.

“Se houvesse um declínio de 60% da população humana isso seria o equivalente a esvaziar a América do Norte, a América do Sul, África, Europa, China e Oceania. Esta é a escala do que fizemos”, comentou Mike Barrett, director-executivo para a Ciência e Conservação da WWF.

“Isto é muito mais do que estarmos apenas a perder as maravilhas da natureza. Isto está a pôr em risco o futuro das pessoas. A Natureza não é uma coisa que é agradável termos – é o nosso sistema de suporte à vida.”

Globalmente, a natureza fornece serviços no valor de 125 triliões de dólares por ano, além de ajudar a garantir o fornecimento de ar fresco, água potável, alimentos, energia, medicamentos e outros produtos e materiais.

O relatório analisa especificamente a importância dos polinizadores, responsáveis ​​por 235 a 577 mil milhões de dólares em produção agrícola por ano, e como um clima em mudança, práticas agrícolas intensivas, espécies invasoras e doenças emergentes têm impactado a sua abundância, diversidade e saúde.

O Living Planet Index, feito para a WWF pela Zoological Society of London, utiliza os dados sobre 16.704 populações de mamíferos, aves, peixes, répteis e anfíbios, representando mais de 4.000 espécies, para monitorizar o declínio da vida selvagem.

Entre 1970 e 2014, período para o qual existe dados mais recentes, a dimensão das populações de vertebrados caiu em média 60%. Há quatro anos, esse declínio era de 52%.

Os habitats de água doce são os mais afectados, com um colapso de 83%. Como resultado, os crocodilos da Índia estão à beira da extinção, por exemplo.

A região mais afectada em todo o mundo é a América do Sul e Central, com um declínio de 89%.

Muitos cientistas acreditam que o mundo iniciou uma sexta extinção em massa, a primeira causada por uma espécie, Homo sapiens. Outros estudos recentes revelaram que a Humanidade destruiu 83% de todos os mamíferos e de metade das plantas desde o início da civilização e que, mesmo que a destruição terminasse agora, seriam precisos entre cinco a sete milhões de anos para o mundo natural recuperar.

“O espantoso declínio das populações de animais selvagens, revelado pelo mais recente Living Planet Index – uma diminuição de 60% em apenas 40 anos –, é uma triste lembrança e talvez o último indicador da pressão que estamos a exercer no planeta”, segundo Marco Lambertini, director-geral da WWF Internacional.

A principal causa da perda da biodiversidade é a destruição dos habitats naturais, muito por causa da produção de alimentos. Três quartos de toda a terra no planeta está hoje, significativamente, afectada pelas actividades humanas.

Esforços conservacionistas podem funcionar, como por exemplo os projectos que conseguiram aumentar em 20% o número de tigres na Índia, em seis anos.

 

Níveis insustentáveis de consumo

Mas a questão fundamental continua a ser o consumo. “Não podemos continuar a ignorar o impacto dos actuais modelos de produção insustentáveis e os estilos de vida de desperdício”, disse Marco Lambertini.

Por exemplo, segundo o relatório Planeta Vivo, os portugueses precisam de 2,19 planetas para manter o seu actual estilo de vida. Este número refere-se ao ano de 2014, altura em que a Pegada Ecológica dos portugueses diminuiu, uma possível consequência da crise económica que atingiu Portugal nestes anos.

A Pegada Ecológica per capita de Portugal posiciona o país no 66º lugar a nível mundial, subindo sete posições face a 2016. “A ligeira descida da pegada ecológica dos portugueses foi reflexo da crise económica, que criou uma oportunidade para os portugueses terem comportamentos mais amigos do ambiente”, disse, em comunicado, Ângela Morgado, directora-executiva da Associação Natureza Portugal, que trabalha em associação com a WWF.

“Os portugueses têm de ter um estilo de vida mais sustentável sob pena de se verem afetados não por uma crise económica, mas por uma crise ecológica sem precedentes que põe em risco a sua vida, a dos seus filhos e netos. Está na altura de mudar. Já não podemos adiar.”

Vinte anos após o relatório principal ter sido publicado pela primeira vez, a edição de 2018 continua a usar os indicadores Índice do Planeta Vivo (IPL), fornecido pela Zoological Society of London (ZSL), os Índice de Habitats da Espécie (IHE), o Índice da Lista Vermelha da IUCN (RLI) e Índice de Intensidade da Biodiversidade (BII), bem como Fronteiras Planetárias e a Pegada Ecológica (calculada pela Global Footprint Network). O relatório mostra um quadro perturbador: a atividade humana está a empurrar os ecossistemas que sustentam a vida na Terra a um limite.

“As estatísticas são assustadoras, pois dependemos da natureza para nos alimentarmos, vestirmos e subsistirmos”, notou Ângela Morgado. “Precisamos de criar um novo caminho que nos permita coexistir de forma sustentável com a natureza da qual dependemos. Vamos precisar da ação de todos.”

O Relatório Planeta Vivo 2018 destaca a oportunidade que a comunidade global tem de proteger e restaurar a natureza até 2020, um ano crítico em que os líderes devem rever o progresso alcançado pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, no Acordo de Paris e na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).

A WWF está a apelar às pessoas, empresas e governos para mobilizar e entregar um acordo abrangente para a natureza e as pessoas sob a CDB, que galvaniza ações públicas e privadas para proteger e restaurar a biodiversidade e a natureza global e reverter a curva das tendências devastadoras destacadas no Relatório Planeta Vivo.

O Relatório Planeta Vivo 2018 é a décima segunda edição da principal publicação bienal da WWF. O relatório inclui as descobertas mais recentes medidas pelo Índice do Planeta Vivo que acompanham 16.704 populações de 4.005 espécies de vertebrados, de 1970 a 2014.

 

[divider type=”thick”]Saiba mais

Pode ler aqui o relatório Planeta Vivo 2018.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.