A história de uma fotografia que é um símbolo do Outono

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O fotógrafo de natureza Manuel Malva conta-nos a história desta fotografia de uma salamandra-lusitânica, espécie classificada como Vulnerável, captada a 15 de Novembro no Luso.

Salamandra-lusitânica. Foto: Manuel Malva


A salamandra-lusitânica, enquanto endemismo ibérico, é para mim uma espécie bastante representativa dos cursos de água rápidos do centro-norte, pelo que sempre quis observar e fotografar esta espécie desde pequeno.

Procurar esta salamandra nos recantos mais húmidos e sombrios dos vales é sempre uma busca entusiasmante numa noite de Outono. Fascinam-me as suas brilhantes purpurinas alaranjadas e a sua forma corporal tão peculiar. 

Esta fotografia resulta da minha intenção de conjugar essa forma corporal com o belíssimo manto outonal que reveste as margens dos cursos de água que lhe servem de habitat.

Já tinha fotografado esta espécie noutros ambientes e circunstâncias, mas nunca tinha conseguido aliar os elementos da estação outonal com a salamandra numa fotografia esteticamente interessante.

As espécies arbóreas de folha caduca que cobrem o local onde foi conseguida esta fotografia dão uma ajuda à elaboração da imagem, uma vez que a folha dos bordos é particularmente interessante, pelas suas formas e cores apelativas.

Assim, após uma visita prévia ao local para perceber onde eram os recantos mais favoráveis à observação deste belíssimo anfíbio, comecei a planear a imagem que gostaria de vir a conseguir.

O local com maior concentração de indivíduos foi identificado, sendo coberto pelas copas de pelo menos quatro espécies distintas de bordos.

Estavam reunidas as condições necessárias para tentar elaborar a imagem que tinha em mente. Fui consultando a previsão meteorológica, esperando uma noite húmida, favorável à observação de anfíbios, para regressar ao local.

Chegado o dia, após uma valente chuvada ao longo da tarde, o início da noite mostrava-se sem precipitação, mas com uma atmosfera extremamente húmida.

À chegada ao local eram notórias as elevadas concentrações de salamandra-de-pintas-amarelas na envolvente do curso de água, dispersas por todo o terreno, obrigando a um cuidado constante a cada passo.

Chegando ao hotspot das salamandras-lusitânicas, de imediato vislumbrei três indivíduos adultos. Uma observação mais cuidada começou a revelar mais e mais exemplares.

De modo a colocar em prática o plano que tinha em mente, comecei por dispor um pouco do manto de folhagem que cobria o solo sob uma superfície transparente, tendo o cuidado de criar um efeito de luz/sombra equilibrado, retroiluminando a superfície com duas pequenas lanternas.

A máquina fotográfica foi colocada superiormente no tripé, dando início aos ensaios de luz e composição, que se estenderam por largos minutos.

Após várias tentativas, e com o efeito conseguido perto do idealizado, chegou o momento de identificar um indivíduo adulto de salamandra-lusitânica nas imediações, no qual fosse particularmente notória a sua longa cauda, que compreende mais de dois terços do comprimento total do corpo em alguns exemplares.

Numa pedra coberta de musgo, junto a uma pequena cascata, a luz da lanterna revelou uma das maiores salamandras desta espécie que tinha observado até então, com a parte superior do corpo com um tom de laranja-barro hipnotizante.

Com recurso a uma folha de bordo, transportei este exemplar até ao set fotográfico que tinha preparado poucos metros ao lado (o manuseamento directo de anfíbios é desaconselhado, pela sua elevada sensibilidade cutânea, devendo ser evitado).

Após alguns minutos e várias fotografias, onde a forma corporal harmoniosa característica desta espécie era realçada pelo contra-luz, a salamandra foi devolvida exactamente ao local onde se encontrava anteriormente.


Saiba mais.

Recorde aqui o ano em que Manuel Malva acompanhou uma família de ginetas às portas de Coimbra.

Conheça o projecto de recuperação de natureza onde participa Manuel Malva, presidente da MilVoz – Associação de Protecção e Conservação da Natureza, criada em Maio de 2019 por cidadãos para dar voz ao património natural da região de Coimbra. 

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.