Mosca-das-flores-alongada (Sphaerophoria scripta). Foto: Rui Andrade

Cinco coisas que ficámos a saber sobre um dos polinizadores mais importantes de Portugal

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As moscas-das-flores são uma presença comum mas pouco conhecida, muitas vezes confundidas com abelhas ou vespas. A Wilder falou com o especialista Rui Andrade sobre estes insectos carismáticos mas em risco.

 

Na Europa toda, pelas contas da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), são hoje conhecidas 890 espécies diferentes de moscas-das-flores, insectos que pertencem à ordem dos dípteros (moscas) e aí dentro formam uma família Syrphidae (sirfídeos).

A Wilder foi à procura do que se sabe hoje sobre as moscas-das-flores que podemos encontrar em Portugal e pediu ajuda a Rui Andrade, especialista e dinamizador do grupo “DIPTERA em Portugal” no Facebook.

 

1. Conhecem-se 216 espécies em território português

Mosca-das-flores Melanostoma mellinum, uma das 216 espécies conhecidas em Portugal. Foto: Rui Andrade

Destas mais de duas centenas, um total de 207 espécies diferentes de moscas-das-flores estão presentes em Portugal Continental, mas as ilhas dos Açores e da Madeira também têm alguma variedade. No arquipélago açoriano, contam-se hoje 23 espécies deste grupo, enquanto que na região madeirense o número sobe para 26.

Ainda assim, há espaço para crescer, afiança Rui Andrade: “Certamente que esta não é uma lista final, uma vez que há espécies cuja presença em Portugal é expectável, e ainda haverá possivelmente espécies novas para a ciência por descobrir.”

 

2. São visitantes regulares de flores e não só

É verdade que hoje não existem muitos dados para o território português, mas este especialista acredita que “não há razão para que as funções ecológicas das moscas-das-flores” sejam aqui diferentes.

Ou seja, por um lado, “a maioria das moscas-das-flores aqui conhecidas são visitantes regulares de flores de uma grande diversidade de plantas”, contribuindo dessa forma para a sua polinização. Por outro, “muitas espécies têm larvas predadoras que atacam afídeos, cochonilhas e outros insectos que afectam negativamente as culturas”.

 

3. Preferem flores de corola rasa…

Mosca-das-flores-comum (Episyrphus balteatus) num dente-de-leão. Foto: Rui Andrade

Apesar de haver “muitos poucos dados para Portugal”, Rui Andrade explica que são as angiospérmicas, ou plantas com flor, aquelas com que estas moscas polinizadoras mais interagem. “Não só no aspecto da polinização mas também, por exemplo, usando-as como plantas hospedeiras para as larvas fitófagas, ou seja, que se alimentam das plantas.”

A preferência vai para as flores abertas de corolas rasas “porque o néctar está mais acessível”, explica este especialista, que dá exemplos de algumas famílias favoritas: as apiáceas, como é o caso do funcho (Foeniculum vulgare); asteráceas, como o dente-de-leão Taraxacum spp.; ou ainda rosáceas, incluindo o pilriteiro (Crataegus monogyna).

 

4. … e gostam menos de flores tubulares (mas com excepções)

Em contrapartida, as flores tubulares recebem mais visitas de insectos como as abelhas ou as vespas, porque muitas das moscas-das-flores não conseguem chegar ao néctar nessas plantas. Mas nem todas seguem esta regra: algumas têm “peças bucais longas” com as quais conseguem alcançar o néctar, como é o caso das espécies que pertencem aos “géneros Volucella e Eristalis.”

Mosca-imita-vespa (Volucella zonaria). Foto: Rui Andrade

“Um exemplo interessante da forma como as moscas-das-flores interagem com as plantas é-nos dado pelas moscas do género Merodon“, sublinha o mesmo responsável. Este é o grupo com mais espécies na Europa e as suas larvas alimentam-se dos bolbos de várias famílias de plantas geófitas, também conhecidas como plantas bolbosas. Em causa estão por exemplo as Amaryllidaceae (como os narcisos, Narcissus spp.) e as Asparagaceae (como os jacintos, Ornithogalum spp.).

Por sua vez, a Merodon luteihumerus  – uma das moscas do género Merodon, que existe em Portugal e Espanha – “tem uma relação muito íntima” com a planta cebola-do-mar ou cebola-albarrã (Urginea maritima), nota o especialista. “Não só as larvas se alimentam dos bolbos desta planta, como os adultos se alimentam quase exclusivamente do pólen das suas flores.”

Mosca-das-flores Merodon luteihumerus nas flores de uma cebola-marítima. Foto: Marta Veiga Santos/BioDiversity4All

 

5. Estão ameaçadas pela agricultura, construção e fogos

Rui Andrade salienta que ainda muito pouco se sabe sobre este grupo de insectos no território português, pois “estamos na fase inicial de saber que espécies existem no nosso país, depois será necessário mapear com mais detalhe a distribuição das várias espécies e perceber as ameaças que enfrentam”.

Ainda assim, acredita que quanto ao estado de conservação destas moscas, a situação é semelhante ao resto da Europa, onde a agricultura é hoje considerada a maior ameaça, pois degrada e fragmenta os habitats destas espécies. E aponta o dedo à silvicultura comercial, incluída nesta categoria, “que muitas vezes converte ecossistemas naturais em monoculturas intensivas muito prejudiciais às espécies nativas.”

O desenvolvimento de novas construções residenciais e comerciais destrói por sua vez “locais importantes” para estes insectos, e “é actualmente um problema grave, por exemplo, na região mediterrânica”, motivado em parte pela pressão da indústria turística.

Por último, mas não menos importante, os fogos afectam “mais de 200 espécies de moscas-das-flores europeias, incluindo mais de 100 espécies ameaçadas”. E os especialistas temem que este problema aumente devido às alterações climáticas, com incêndios florestais mais frequentes e intensos.

 


Saiba mais.

Se tem curiosidade sobre os dípteros Fique também a conhecer o grupo das moscas-grua, também conhecidas como pernilongos ou melgas, mas que não picam nem fazem mal.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.