Descubra com Ana Pêgo como se constrói uma impressionante colecção de fauna marinha

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Começou em criança e nunca mais quis parar. Ana Pêgo, bióloga marinha autora do livro Plasticus maritimus e responsável pelo projecto com o mesmo nome, conta-nos sobre a sua colecção de fauna marinha e como podemos criar uma em casa.

Wilder: Quando começou a fazer esta colecção? E porquê?

Ana Pêgo: Comecei a coleccionar elementos naturais como qualquer criança, só que nunca deixei de o fazer. Guardava conchinhas e búzios que encontrava na praia, folhas de árvores e pedras que achava bonitas ou que, por alguma razão, considerava especiais. 

Actualmente tenho várias “coleções de natureza”: fauna marinha, botânica (terrestre… folhas, frutos e sementes) e fósseis. Como morei sempre perto da praia, a colecção de fauna marinha foi sempre a mais “activa” e rica e, talvez, mais “valiosa”. Pelo menos para mim.

Foto: Ana Pêgo

Em 2015 comecei a guardar exemplares de Plasticus maritimus que tem sido o meu foco das colheitas durante o inverno e, também o meu foco de trabalho dos últimos anos. Associado ao lixo marinho tenho também uma coleção de “sementes viajadas” que são sementes de outros países que, arrastadas pelo vento e correntes marinhas, flutuam até às nossas praias. 

Como não gosto de apanhar “lixo recente” (consequência dos banhistas, por exemplo), durante o verão dedico-me à fauna marinha. 

Embora tenha alguns exemplares “intocáveis”, guardo maioritariamente para dar às crianças que frequentam as minhas oficinas. 

Diria que a minha colecção se pode dividir em três partes: 1) uma pequena coleção que uso frequentemente nas minhas oficinas para apresentar a biodiversidade marinha das nossas praias; 2) elementos que nunca saem de casa (pela sua raridade, fragilidade ou dimensões) e 3) elementos mais comuns que vou guardando para dar aos participantes das minhas oficinas.

W: Pode dar alguns exemplos de espécies na sua colecção?

Ana Pêgo: Primeiro que tudo, parece-me importante referir que nunca matei nenhum animal para pôr na minha coleção. Limito-me a guardar animais que encontro já mortos (como a estrela do mar e o cavalo marinho) ou, partes de animais como conchas, mudas, penas, carapaças, cápsulas de ovo… “Vestígios de fauna marinha”, como costumo dizer.

Quítone. Foto: Ana Pêgo

Tenho uma grande variedade de espécies e foi quase tudo encontrado por mim. Mas tenho alguns exemplares que foram oferecidos por pescadores ou por amigos que se entusiasmam com a coleção e gostam de contribuir com os seus achados.

Fazem parte da colecção “carapaças” de ouriço do mar (Paracentrotus lividus) e de ouriço da areia (Echinocardium sp), lapas (Patella sp e Haliotis tuberculata), cápsulas de ovo de raia e de tubarão (Pata-roxa, Scyliorhinus canicula), mudas* de caranguejo (várias partes de várias espécies – carapaças, pinças, abdómen de, por exemplo, navalheira, santola e outras espécies), conchas de choco (Sepia officinalis), penas de aves (incluindo penas de flamingo que vêm do Rio Tejo), conchas de bivalves (berbigão, mexilhão, anómia, etc…), quítones e até tenho caravelas portuguesas secas que trouxe há uns anos dos açores (cá também se arranjam, mas lá há muitas).

*(“mudas” – os crustáceos mudam de carapaça ao longo do seu crescimento. Colecciono as carapaças, as pinças e os abdómens. Por vezes é possível encontra-los inteiros; parecem animais mortos, mas estão vazios. É apenas a carapaça…)

Há também esqueletos de Velella (Velella velella) e Janthina sp, o carol roxo que se alimenta de Velellas e caravelas portuguesas.

Também estou a tentar fazer um algário mas não tem corrido assim tão bem.

Foto: Ana Pêgo

W: Onde foram apanhados os espécimes da sua colecção?

Ana Pêgo: Tenho exemplares de vários sítios mas, maioritariamente, são de praias de Cascais porque são as que visito regularmente (quase diariamente).

Foto: Ana Pêgo

Mas tenho exemplares trazidos de outras praias que vou visitando esporadicamente. Por exemplo: tenho quitones encontrados há uns anos, já secos, no porto de pesca de Sesimbra (provavelmente deixados por pescadores após a limpeza das armadilhas); ofiurídeos encontrados há uns anos em praias de Viana do Castelo.

Alguns búzios, mexilhões e duas estrelas do mar foram trazidas de Moledo, no ano passado. Também tenho dois ou três cavalos marinhos que encontrei já secos em praias de Cascais.

W. Existem alguns espécimes que a fascinem mais?

Ana Pêgo: Todos me fascinam por alguma característica especial do animal em vida ou pela raridade ou até pela textura. 

Há seres que não daríamos nada por eles, mas vistos à lupa são espectaculares. Como é o caso do ouriço do mar.

Gosto dos ouriços do mar. São lindos quando os vemos com atenção. Olhamos lá para dentro e vemos um rendilhado incrível.

Foto: Ana Pêgo

O que gosto nos ouriços é o facto de este ser um animal bastante comum mas que as pessoas sabem muito pouco. Normalmente nem sabem que estas “carapaças” são de ouriço do mar porque, sem os espinhos, não o conseguem reconhecer.

Mas há uns elementos da minha colecção que fascinam (e intrigam) particularmente as outras pessoas: o quítone, os ovos de raia e de tubarão, a pele de tubarão (que deixo passar o dedo… numa direcção parece liso e na outra parece lixa e prende o dedo) e claro, o cavalo marinho.

W: Tem ideia de quantos “tesouros” tem?

Ana Pêgo: Ui.. muitos. Nem me atrevo a contar.

Estado actual do material de trabalho a secar. Foto: Ana Pêgo

W: Para que utiliza esta colecção?

Embora goste muito de ter a colecção, o que me dá mesmo gozo e prazer é a exploração da praia e, claro, o momento em que encontro as coisas. Depois trago para casa, lavo, deixo a secar e vou “juntando”… e a colecção vai crescendo.

A colecção serve também para fins educativos.

Há alturas em que tenho muitas oficinas, a convite, por exemplo, da biblioteca municipal de Oeiras, com determinado tema e reduzo consideravelmente alguns exemplares.

Foto: Ana Pêgo

Por exemplo, no ano passado, o tema das minhas oficinas de verão foi “A arte de salvar tubarões”. Em três semanas de oficinas, tive ovos de raia e de tubarão para dar a todos os participantes. A colecção ficou bastante desfalcada, mas acho que valeu a pena. 

W: Como conserva e guarda os espécimes?

Ana Pêgo: Não faço nada de especial. Apenas lavo em água doce, deixo secar bem e arrumo em caixinhas ou gavetas. 

Alguns exemplares são muito frágeis, como as carapaças de caranguejo, qualquer diferença de temperatura pode faze-las estalar. Tenho que ter cuidado para não apanharem muito calor.

Foto: Ana Pêgo

Há quem use verniz para conservar. Um dia destes experimento, mas até hoje, nunca pus nada.

Caixas onde guardar as “maravilhas da praia” (ou maravilhas da natureza em geral), tudo serve… Mas se pudermos reutilizar coisas que iriam para o lixo, melhor!

Por exemplo, as minhas coleções de botânica estão espalhadas por diferentes tipos de caixas (um faqueiro antigo encontrado no lixo; caixas de sapatos); tenho ninhos em caixas de sapatos; tenho pedido à familia para me guardar uns “tabuleirinhos” de cartão onde vêm os legumes. Estes tabuleiros coloco-os em gavetas e assim, cada tabuleirinho, dá para uma espécie diferente.

Tenho também areias de praias açoreanas em frascos de iogurte.

E muitas coisas estão guardadas em caixas que foram compradas para este fim, umas de cartão e outras em plástico com divisões (usadas para coisas da pesca ou da costura).

Na oficina “Mini gabinete de curiosidades marinhas” usamos caixas de ovos, em que cada divisão é usada para acolher um elemento diferente. Os miúdos fazem também um livrinho que fica preso no interior da tampa. É o livro da sua coleção, onde é desenhado e escrito o nome de cada um dos elementos. Os mais velhos, se quiserem, também escrevem o nome científico.

W: Que conselhos dá a quem tenha gosto pela biodiversidade marinha e queira começar uma colecção?

Ana Pêgo: Gosto de incentivar as crianças a criarem as suas próprias colecções porque acredito que através delas podem aprender a respeitar a natureza. Além disso, procurar elementos para a colecção é uma forma de usufruir do ar livre e reconectar com a natureza. 

Explorar a zona entre marés é importante para o desenvolvimento motor e sensorial da criança: andar descalço na areia e nas rochas; subir e descer rochas; sentir as diferentes texturas, a água e o vento. A exploração e o prazer das descobertas estimulam a curiosidade e a criatividade que levam ao interesse genuíno e busca pelo conhecimento pela vida marinha.

Foto: Ana Pêgo

Ninguém resiste à curiosidade de saber mais sobre um achado especial. E quanto mais sabemos, mais nos apaixonamos e mais vamos querer proteger.

Acho importante que os portugueses conheçam as espécies que vivem no nosso mar e principalmente seria bom que soubessem mais do que apenas aquilo que conhecem pelo ponto de de vista gastronómico. Há seres incríveis, com histórias de vida espectaculares. Particularmente, os animais da zona entre marés… seres marinhos que vivem no limite entre a terra e o mar, que estão extremamente bem adaptados a viver de acordo com a altura das marés. De 6 em 6 horas, ora estão submersos ora estão a seco, sujeitos a grandes diferenças de temperatura e de salinidade.

Foto: Ana Pêgo

Maaas… há um “mas”! As coleções não devem servir de desculpa para destruir o que existe na natureza.

As colecções devem ser um meio para aprendizagem para a conservação da natureza. Por isso, seja de que tipo de coleção de natureza for (de fauna marinha, de botânica ou de geologia) tem que se saber respeitar. Não matar nenhum animal para pôr na colecção; não partir rochas para procurar fósseis (a menos que seja especialista e saiba exactamente o que está a fazer); não arrancar flores nem folhas; se revirar pedras para ver alguma coisa, deve voltar a coloca-la como estava (eu encontro tudo sem revirar pedras); só trago um búzio se tiver a certeza que não está nenhum animal lá dentro; no caso de querer comprar algum exemplar para a colecção, ter a certeza da origem para não incentivar a exploração e comércio ilegal.

Colecção terrestre. Foto: Ana Pêgo

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.