Três lobos-ibéricos. Foto: Juan José González Vega/Wiki Commons

Espécies ameaçadas em Portugal: Vamos uivar pelo lobo-Ibérico 

Sara Costa está preocupada com o futuro deste predador que “carrega uma enorme importância para os ecossistemas”. Fique a saber porquê e conheça a realidade portuguesa desta espécie icónica.

Lembro-me de ser criança, nos inícios da década de 2010, e saltar na televisão um anúncio de apelo à proteção do lobo-ibérico (Canis lupus signatus) em Portugal. Uma vez que o anúncio solicitava contribuições telefónicas, pedi entusiasticamente aos meus pais para ajudar, tendo sido recebida do outro lado da linha pelo uivar de um lobo, seguido de uma voz a agradecer o gesto acabado de ser feito. Esse uivar e esse anúncio ficaram sempre na minha memória. 

Apesar de tudo, na altura não entendi a gravidade da situação. Não entendi que a população do lobo-ibérico se tinha reduzido tanto, ao ponto de ocorrer apenas em 20% da sua área de distribuição original, como explicam Sílvia Ribeiro e Francisco Petrucci-Fonseca no livro “Um olhar sobre os carnívoros portugueses”.

O que conduziu a esta situação? Que ameaças enfrenta o lobo-ibérico e qual o seu papel nos ecossistemas? E o que o torna tão fascinante e curioso?

Lobo-ibérico. Foto: Arturo de Frias Marques/Wiki Commons

Apesar das controvérsias, mitos, lendas e medos que rondam este predador de topo, o lobo-ibérico é de facto uma espécie admirada por muitos. O fascínio por esta subespécie do lobo (Canis lupus), que habita apenas na Península Ibérica, deriva de todas as suas características biológicas e ecológicas e da sua importância nos ecossistemas em que habita. 

Signatus, no seu nome científico, traduzido para “marca” ou “sinal”, deriva da pelagem negra que apresenta na parte anterior das patas dianteiras. E como descrevem Sílvia Ribeiro e Petrucci-Fonseca, este lobo diferencia-se das restantes espécies do mesmo género por ser mais pequeno e também mais amarelo-acastanhado, coloração que varia com a idade do animal, sendo os mais jovens providos de cores mais escuras. 

O lobo vive em alcateia, variando a mesma entre dois a 10 indivíduos, dependendo da altura do ano. Todos os indivíduos da alcateia fornecem cuidados às crias, não sendo um trabalho restrito aos progenitores. 

No nosso país encontramos dois núcleos populacionais desta espécie, separados pelo rio Douro. A norte do rio, os lobos ocupam preferencialmente os distritos de Bragança e Vila Real; já a sul do rio, parte dos distritos de Aveiro, Viseu e Guarda. 

O maior número de alcateias encontra-se no Norte, com preferência por zonas altas e com boas condições de vegetação. O Grupo Lobo – Associação para a Conservação do Lobo e do seu Ecossistema estima uma presença de 2000 lobos na Península Ibérica, dos quais 300 em território nacional. Vários estudos e autores * explicam que a alimentação do lobo-ibérico vai depender da disponibilidade das presas, podendo tratar-se de presas silvestres, como o corço (Capreolus capreolus) ou o javali (Sus scrofa), mas também presas domésticas, como as ovelhas (Ovis aries), sendo que o último caso acontece principalmente em zonas com muita atividade humana. 

Em declínio desde há muito

É de conhecimento geral que a biodiversidade do planeta está em drástico declínio. De facto, esta perda notória leva muitos cientistas a acreditar que podemos estar a enfrentar a sexta grande extinção. Devido aos impactos da atividade humana no planeta, às alterações climáticas, à perda e fragmentação de habitats, à sobre-exploração de recursos e a outros fatores, são muitas as espécies que conhecemos que se encontram ameaçadas. Infelizmente, o lobo-ibérico não é exceção, sendo uma espécie classificada como Em Perigo, de acordo com o Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal (2005).

Foi no final do século XIX que surgiram os primeiros sinais do declínio desta espécie por toda a Península Ibérica. Uma das razões, segundo Sílvia Ribeiro e Petrucci-Fonseca, foi o desaparecimento de vegetação autóctone devido às atividades agrícolas, o que levou ao desaparecimento de presas silvestres como o corço. Estes dois investigadores apontam também a falta de locais de refúgio e a destruição dos ecossistemas do lobo-ibérico em resultado das atividades humanas, como a construção de barragens ou parques eólicos. A presença de cães vadios (Canis lupus familiaris) é outro dos motivos para o declínio, por competirem por alimento e espaço. Para além disso, o lobo acaba por ser culpabilizado pelos estragos provocados pelos cães. 

Mas não só. Segundo um estudo realizado pelo Instituto para a Conservação da Natureza e das Florestas, num total de 100 mortes registadas entre 1999 e 2014, a principal causa foi o atropelamento desses animais. Por sua vez, Sílvia Ribeiro e Petrucci Fonseca acrescentam o veneno, o tiro e o laço como outras das grandes causas de mortalidade nesta espécie ibérica. Estes e outros investigadores* declaram que os humanos e a perseguição que se fazia a este predador estão entre os principais motivos do declínio do lobo-ibérico. 

Lobo ibérico, Museu Nacional de História Natural e da Ciência. Foto: Joana Bourgard

Nos dias de hoje, infelizmente, a perseguição continua. A falta de espaço natural e de presas silvestres pressionam o lobo a aproximar-se das povoações para se alimentar do gado existente, o que leva as gentes locais a tomarem medidas insustentáveis que conduzem à morte destes animais. 

Uma legislação rigorosa e uma aposta na sensibilização da população são fatores cruciais à mudança de mentalidades e destas práticas de perseguição, havendo já entidades que se dedicam a educar para este fim, como é o caso do Grupo Lobo. Esta associação dedica-se à monitorização do lobo em Portugal e foi criadora do CRLI – Centro de Recuperação do Lobo Ibérico. 

Protegido pela lei 

Em Portugal, o lobo-ibérico é uma espécie protegida, estatuto atribuído em 1988 na Lei de Proteção do Lobo-ibérico, que “integra as bases para a proteção, conservação e fomento” da espécie. Nesse sentido, é “proibido o seu abate ou captura em todo o território nacional, em qualquer época do ano”. Está também expressa nesta lei a responsabilidade do Estado em assumir os prejuízos causados aos cidadãos pela atividade do lobo. 

Já o programa “Cão de Gado”, promovido em 1996 pelo Grupo Lobo, procura conciliar a atividade humana com a atividade do lobo-ibérico, disponibilizando cães de gado de raça nacional aos pastores para que consigam proteger os seus rebanhos. 

O Serra da Estrela é uma das raças utilizadas para proteger o gado. Foto: Sara Jaques/Wiki Commons

O ICNF implementa também um Sistema de Monitorização de Lobos Mortos, com o objetivo de adquirir mais informação sobre as causas que conduzem à morte deste animal e mais oportunidades de desenvolvimento de estudos de conservação. A nível internacional, esta espécie é ainda notada como prioritária pela Diretiva Habitats, potencialmente ameaçada pela CITES – Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e da Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção, e estritamente protegida pela Convenção de Berna.

Mas afinal, qual a importância de proteger um animal como o lobo? Que falta faz este carnívoro? Enquanto predador de topo, pois é uma espécie que se encontra no topo da cadeia alimentar, o lobo consegue controlar populações de animais selvagens como o javali ou o veado, o que impede por sua vez que aconteçam fortes danos nas produções agrícolas e nas florestas. 

A presença deste mamífero pode ser também crucial para controlar populações de outros predadores como a raposa (Vulpes vulpes), que se vê obrigada a deslocar-se para outros locais. Sem a presença da raposa, torna-se possível manter uma população considerável das presas que aquela caça, como em Portugal sucede com a lebre (Lepus granatensis) e a perdiz (Alectoris rufa), animais que não fazem parte da dieta do lobo. Para além disso, o lobo controla a presença de cães vadios, que podem trazer prejuízos para a população local e os seus rebanhos.  

Como o lobo “salvou” Yellowstone

Nos Estados Unidos, o Parque de Yellowstone é um bom exemplo da importância do lobo. No início do século XX, o lobo era o animal mais perseguido em Yellowstone e por todo o país. Como resultado, no final de 1940 raramente eram identificadas alcateias neste parque nacional, mas a falta deste predador teve um efeito em cascata que foi notório em todos os hectares dessa vasta área protegida. 

Em primeiro lugar, a população de alces (Alces alces), devido à possibilidade de se expandir livremente por não existirem predadores, cresceu rapidamente, conduzindo a uma grande destruição da vegetação de Yellowstone. Isto por sua vez levou a um grande declínio das aves e dos castores (Castor canadensis) que ali ocorriam, que dependiam fortemente da vegetação arbórea. Sem as barragens construídas pelos castores, a dinâmica dos rios mudou e os peixes começaram a entrar também em declínio. Espécies que dependiam de peixe para a sua alimentação, como é o caso do urso-pardo (Ursus arctos), acabaram por ficar também limitadas. 

Finalmente, em 1995, o lobo foi reintroduzido no Parque de Yellowstone, no seguimento das preocupações de especialistas e cientistas. Essa reintrodução permitiu reduzir e controlar a população de alces, abrindo espaço para a regeneração da vegetação. Assim, reverteram-se também outros fatores que tinham evoluído de forma negativa e a sistemática sustentável de Yellowstone regressou. 

Uma fêmea de lobo em Yellowstone. Foto: Yellowstone National Park

Quanto ao lobo-ibérico, tal como acontece com o lobo em Yellowstone, carrega uma enorme importância para os ecossistemas, para além de possuir características únicas e especiais. É essencial nesta altura trabalharmos na sua conservação, procurando reverter todas as ameaças a que está sujeito, num trabalho de cooperação entre todos. 

Quando era criança, vi um anúncio relativo à extinção do lobo em Portugal. Contrariamente, quão bom seria, daqui a uns anos, uma criança deparar-se com um anúncio sobre a recuperação impressionante da população deste predador tão especial? 

* Álvares F, Pereira E, Petrucci-Fonseca F (2000) O Lobo no Parque internacional Gerês-Xurés. Situação populacional, aspectos ecológicos e perspectivas de conservação. Galemys, 12: 223-239


Sara Costa é recém-licenciada em Ciências do Ambiente pela Universidade do Minho