Estamos todos convidados a contar águias-pesqueiras

Não se sabe ao certo quantas águias-pesqueiras passam o Inverno em Portugal para fugir ao frio do Norte da Europa. Por isso, um grupo de naturalistas lançou a ideia de se fazer uma contagem em todo o país a 24 de Janeiro, aberta a qualquer pessoa que saiba distinguir a ave.

A 23 de Janeiro, a poucas horas do arranque das contagens, estavam inscritas 97 pessoas, desde biólogos profissionais e ornitólogos a observadores amadores ou fotógrafos de natureza.“Qualquer pessoa pode participar, bastando que saiba identificar uma águia-pesqueira e que tenha disponibilidade para visitar uma zona húmida (estuário, lagoa ou albufeira) no próximo dia 24 de Janeiro”, explica Gonçalo Elias, ornitólogo responsável pelo portal Aves de Portugal, em cujo fórum surgiu a ideia para a iniciativa.

A águia-pesqueira (Pandion haliaetus) não é uma ilustre desconhecida e já tem feito correr muita tinta em Portugal. Em 1997, o jornal PÚBLICO fez capa com a extinção da ave no país, quando morreu a fêmea do único casal que cá nidificava, na costa alentejana. Depois, em 2011 arrancou um projecto de reintrodução da espécie nas margens da albufeira de Alqueva (Alentejo) com animais trazidos da Suécia e Finlândia.

Além das aves incluídas nesse esforço de reintrodução, Portugal conta com os animais que nos visitam todos os Invernos. “Muitas das suas zonas de alimentação nos seus países de origem – Reino Unido, Alemanha, Noruega e Suécia – estão congeladas e, por isso, as aves não conseguem capturar peixes, o seu principal alimento”, diz-nos Gonçalo Elias.

São muitos os que aproveitam o Inverno para observar estas águias em Portugal, mas não se sabe ao certo quantas aves nos visitam.

Águia-pesqueira em voo (fotografia de José Sousa)
Águia-pesqueira em voo. Fotografia: José Sousa

“Creio que as estimativas para esta espécie estão bastante incompletas”, diz o ornitólogo, lembrando que os censos anuais de aves aquáticas invernantes que o ICNF (Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas) faz em Portugal, há cerca de 40 anos, são direccionados, sobretudo, para patos e limícolas (aves que se alimentam no lodo).

Assim, Gonçalo Elias lançou uma troca de ideias no Fórum Aves, onde estão registados mais de 1800 utilizadores, e desafiou os interessados a determinar a dimensão da população invernante da espécie no nosso país.

Gonçalo Elias considera que, nos últimos anos, “o interesse pela vida selvagem cresceu imenso”. Além de uma maior sensibilização para as questões ambientais, a “fotografia digital e Internet possibilitaram a obtenção e a partilha de imagens do mundo natural que nos rodeia, a custo reduzido, bem como o acesso a um enorme manancial de informação em sites e fóruns sobre os melhores locais de observação, as listas de aves ou a identificação de espécies”, acrescenta. Tudo isto “torna mais atractivo e fácil entrar e progredir nesta actividade”.

Para facilitar a tarefa deste censo, Gonçalo Elias e João Tomás, voluntário que está a ajudar a organizar o censo, fizeram um mapa com os melhores locais para fazer as contagens.

“Procurámos assinalar os locais onde sabemos que a presença da águia-pesqueira é regular durante o Inverno, nomeadamente os principais estuários, rias, lagoas costeiras e algumas albufeiras”, diz Gonçalo Elias.

E que utilidade terão os dados recolhidos? “Numa primeira fase, os resultados do censo serão partilhados nos canais usados para divulgar a iniciativa: Forum Aves e Facebook. Posteriormente, em função dos resultados obtidos, será analisada a viabilidade de se promover a realização anual de um censo de águias-pesqueiras invernantes”.

Valerie Webber, em Inglaterra, está ansiosa pelos resultados deste censo

Valerie Webber vive em Hampshire, no Sul de Inglaterra, e gosta de águias-pesqueiras há muitos anos. É voluntária no Centro Loch Garten (Escócia), gerido pela Royal Society for Protection of Birds (RSPB), e no Dyfi Osprey Centre (Norte de Gales), gerido pelo Wildlife Trust, locais com florestas de pinheiros e lagos para onde regressam as águias-pesqueiras para nidificar.

Juntamente com a sua amiga Alison Elder gere o grupo Ospreys Friends – Loch Garten Bloggers no Facebook (com cerca de 400 membros). Aliás, foi através do Facebook que ficou a conhecer o censo português sobre a águia-pesqueira, a 24 de Janeiro. “Estou ansiosa pelos resultados da contagem em Portugal”, disse-nos por email. “E será absolutamente fantástico se forem captadas fotos que permitam ver as anilhas e, assim, identificar os indivíduos.”

Há já algum tempo que Valerie sabe que as águias que tão bem conhece vão passar longas temporadas a Portugal. “Este ano, uma águia-pesqueira juvenil de Kielder Water (grande lago artificial em Northumberland, no Nordeste de Inglaterra) decidiu passar bastante tempo em Portugal. Na verdade, pensámos que iria ficar aí mas depois viajou para África”, contou-nos ainda. Até chegou a pensar vir a Portugal à sua procura, seguindo os dados de seguimento por satélite. “Uma outra águia de Aberfoyle (40 quilómetros a Norte de Glasgow, na Escócia) decidiu parar em Portugal mas, infelizmente, morreu aí”.

“Sabemos também de uma águia fotografada em Portugal que tinha sido anilhada em 2013 em Loch Lomond, na Escócia (é um lago com uma superfície de 71 quilómetros quadrados, classificado como sítio Ramsar). Na verdade”, continuou, “vemos muitas fotografias de águias-pesqueiras em sites portugueses e sabemos que muitas mais passam o Inverno em Portugal. Por isso, espero que este censo traga informação sobre muitas mais águias. Espero que muitas, com anilhas, possam ser identificadas”.

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Agora é a sua vez. 

Participe no Dia da Águia Pesqueira, contactando o Fórum Aves ou a página do grupo Aves de Portugal Continental no Facebook. Gonçalo Elias deixa-lhe algumas informações sobre a espécie que o poderão ajudar.

Nome científico: Pandion haliaetus

Comprimento: 52 – 60 centímetros

Envergadura da asa: 152 – 167 centímetros

Características que a distinguem das outras rapinas: esta ave distingue-se pela sua grande dimensão, pela “máscara” preta em redor dos olhos e pela plumagem muito branca nas partes inferiores, que é geralmente visível em voo.

Locais onde é mais fácil de a observar: esta águia aparece quase sempre perto de água e é frequente vê-la a pescar ou pousada num poste, enquanto se alimenta de um peixe que acabou de capturar. Os melhores locais são a ria de Aveiro, os estuários do Tejo e do Sado e a ria Formosa.

A águia mais parecida e que pode causar confusão na identificação: a espécie mais parecida em termos de coloração e dimensões é a águia-cobreira, mas essa espécie é muito invulgar no período de Inverno e além disso não se alimenta de peixe.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.