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Leitor da Wilder faz registo raro de corço em Portugal

José Pinheiro do Nascimento contactou a Wilder para saber que espécie é esta que o filho de 17 anos fotografou este mês em Monção (Viana do Castelo), nas margens do rio Minho. O investigador Francisco Álvares respondeu que são corços e que a sua presença no local é conhecida mas ainda é rara. “Registos concretos e confirmados por fotografias, como este obtido por um cidadão, são de extrema importância.”

A 13 de Novembro, José Pinheiro do Nascimento enviou o seu pedido de identificação para o “Que Espécie é Esta?” da Wilder.

“Anexo fotografias, com a qualidade possível, na qual duvido sobre a espécie encontrada nas margens do rio Minho em Monção, em 12-11-2021, entre fêmeas de corça ou veado-vermelho”, escreveu então o leitor.

As fotografias foram captadas pelo seu filho, José do Nascimento Pinheiro Gonçalves, aluno do 12º ano de escolaridade, junto à casa onde vivem perto do rio Minho, na manhã de dia 12 de Novembro.

Ambos conhecem bem a natureza que os rodeia. “Costumamos andar pela natureza, registando em fotografia e vídeos a vida animal na zona (gineta, javali, visão americano, lontra, raposa e texugo) pelo que considero conhecer bem a zona”, explicou José Pinheiro do Nascimento, 47 anos e engenheiro civil.

Francisco Álvares, investigador do CIBIO-InBIO especializado em mamíferos carnívoros, deu-nos a sua resposta ao pedido de identificação do José: “Apesar da reduzida qualidade da fotografia, trata-se sem dúvida de corços (Capreolus capreolus), possivelmente uma fêmea com cria já desenvolvida. O caracter mais diagnosticante é o focinho negro e proporção da cabeça e orelhas”. 

De acordo com este investigador, “a presença de corço ao longo do vale do rio Minho é conhecida mas ainda é rara, pois a recolonização natural das regiões a menor altitude e próximas do litoral tem vindo a acontecer apenas nas últimas décadas”.

“Esta foi a primeira vez que conseguimos ver estes animais na zona”, explicou o leitor. “Contudo, já tínhamos encontrado vestígios (pegadas), bem como temos uma filmagem com foto-armadilhagem em que suspeitamos ser o mesmo animal. Desta vez foram eles que vieram ter connosco ao aproximarem-se da habitação (julgamos que para beber água no rio).”

Quando o filho viu os animais pensou que seriam “corças, até porque já houve mais visionamentos na zona por vizinhos, mas devido à qualidade da foto ficámos na dúvida”.

O corço em Portugal

Actualmente, “o conhecimento da distribuição nacional do corço, assim como de outros cervídeos como o veado, é bastante grosseiro (i.e. à escala de quadrículas de 10x10km), com poucos registos georeferenciados que permitam avaliar com detalhe as zonas e habitats mais utilizados”, explicou por sua vez Francisco Álvares.

Por isso, “registos concretos e confirmados por fotografias, como este obtido por um cidadão, são de extrema importância para conhecer a distribuição detalhada deste cervídeo e permitir monitorizar a sua expansão populacional”, salientou este biólogo.

Sabemos que o corço é uma espécie nativa de Portugal, “com populações naturais que persistiram em pequenos núcleos a norte do rio Douro (serras da Peneda-Gerês, Alvão-Marão e Nogueira)”.

“Desde a segunda metade do séc. XX, tem vindo a ocorrer uma expansão generalizada desta espécie, tanto em área de distribuição como em abundância, levando ao estabelecimento de novos núcleos populacionais, incluindo as regiões costeiras a norte de Viana do Castelo e as serras Beirãs, a sul do rio Douro.” 

Hoje, o corço ocorre de forma contínua em toda a metade norte de Portugal (excepto a região costeira a sul do Porto), com algumas populações introduzidas a sul do rio Tejo, que estão confinadas.

“Desta forma, a distribuição atual do corço resulta não só da sua expansão natural, mas também de vários programas de reintrodução realizados, quer com fins cinegéticos, quer para aumentar a disponibilidade de presas silvestres para o lobo nas zonas de presença deste predador.”

Há falhas no mapa de distribuição da espécie em Portugal

De acordo com Francisco Álvares, “faltam censos sistemáticos e rigorosos dirigidos ao corço a nível nacional e, mesmo a nível regional, essa informação é muito limitada e deficiente”.

Na opinião deste investigador, “deveriam ser desenvolvidos mais esforços para avaliar a distribuição, selecção do habitat e densidades de corço nas várias regiões do país, principalmente tendo em conta o crescente interesse para assegurar a sua exploração cinegética.”

“Somente com estudos detalhados, que permitam conhecer quantos corços existem numa determinada área (assim como as suas principais ameaças e causas de mortalidade), é que se poderá definir quantos animais podem ser caçados anualmente, sem colocar em causa a recuperação populacional desta espécie e o seu importante papel ecológico.”

A presença de corços nas serras do Norte de Portugal é uma mais-valia a vários níveis, como explica Francisco Álvares.

Por um lado, existe a questão ética e de lazer, pois é um animal selvagem bonito e gracioso que é agradável de observar durante um passeio na floresta. Além disso, o corço é um herbívoro que permite controlar a biomassa vegetal, diminuindo assim o risco de incêndios, e constitui uma das principais presas naturais do lobo-ibérico, levando a que este predador não tenha que atacar animais domésticos para sobreviver. Por fim, existem os benefícios socio-económicos em zonas rurais que podem resultar da sua exploração cinegética de forma sustentada.”

José Pinheiro do Nascimento receia agora pelo futuro destes animais na sua região. “A zona, em plena Rede Natura 2000, tem vindo a sofrer uma grande pressão imobiliária e de ocupação humana não regrada, o que me leva a pensar que a biodiversidade ficará ameaçada em breve.”


O “Que Espécie é Esta?” arrancou em Outubro de 2017 e desde então já foram respondidos cerca de 1.650 pedidos de identificação feitos pelos leitores da Wilder. Francisco Álvares é um dos investigadores que nos ajuda a identificar o grupo dos Mamíferos.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.