Coruja-das-torres (Tyto alba). Foto: Steven Ward/Wiki Commons

O que está a acontecer no Inverno: as corujas-das-torres já “namoram”

É no frio de Fevereiro que a maioria das aves desta espécie dá início ao período de reprodução e começa a fazer a corte. A investigadora Inês Roque, da Universidade de Évora, descreveu à Wilder o que se passa.

Estas misteriosas aves de rapina nocturnas, que têm uma inconfundível face branca em forma de coração, estão a ser objecto de um censo nacional até ao fim de Junho, no qual todos podemos colaborar.

Mas o que andam as corujas-das-torres a fazer nestes dias frios de Inverno? Se encontrarmos agora uma destas aves, é bem possível que esteja já em fase de “namoro” ou à procura de parceiro, responde Inês Roque, que faz investigação sobre estas e outras aves de rapina nocturnas no LabOr – Laboratório de Ornitologia, da Universidade de Évora.

“Durante a corte, o casal faz voos curtos nas imediações do ninho enquanto vocaliza”, descreve Inês Roque, que detalha que “tanto o macho como a fêmea emitem uma vocalização estridente e ‘arranhada’ enquanto se perseguem em voo”.

Mais tarde no sítio do ninho, os dois “cuidam das penas um do outro e o macho oferece com frequência presas à fêmea”, enquanto emitem sons característicos. O alimento principal da espécie são ratinhos, mas também comem outras aves, anfíbios, insectos e répteis.

Em seguida acontece a cópula, que ao longo da corte se vai tornando cada vez mais frequente, “com ou sem oferta de alimento pelo macho”.

Muitas vezes, a fêmea pede também comida ao parceiro – com um som semelhante ao dos juvenis mas mais estridente – e vai ficando cada vez mais tempo no ninho. É assim que “começa a ganhar peso”, preparando-se para pôr os ovos e incubá-los, relata a investigadora, que faz também parte do Grupo de Trabalho em Aves Nocturnas, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA). Finalmente, “cerca de 10 dias antes da postura, o macho passa a assegurar sozinho a alimentação do casal e pode caçar até 10 a 17 presas por noite.”

Cuidados a ter

Na verdade, a coruja-das-torres não constrói ninhos tal como os imaginamos, com palhinhas, penas e outros materiais, mas “quando faltam poucos dias para a postura, pode ‘arrumar’ a camada de regurgitações feitas pelo casal, formando uma pequena depressão onde deposita os ovos”, conta Inês Roque. O mais habitual é isso acontecer em Março ou Abril, mas pode ser antes.

O local eleito mantém-se muitas vezes o mesmo, ano após ano, e pode ser uma cavidade natural ou um edifício. Não costuma ser visível ou acessível para os humanos, mas ainda assim é preciso muito cuidado se encontrarmos ovos, alerta um ‘kit’ educativo elaborado no âmbito do censo da coruja-das-torres. É que ao serem importunadas, estas corujas podem abandonar a ninhada e o local, o que é especialmente preocupante devido à situação da espécie em Portugal.

um grupo de corujas
Corujas-das-torres em recuperação no CERVAS, em Gouveia. Foto: CERVAS

Já a idade de reprodução é atingida quando as aves têm cerca de um ano, mas tal só se concretiza se encontrarem um par. E para isso, é por estes dias que tentam atrair um parceiro, voando enquanto fazem a mesma “vocalização estridente e ‘arranhada’” típica dos casais durante a corte. Esse mesmo som, aliás, serve para avisar os rivais para ficarem afastados.

E se entretanto estes jovens pretendentes não tiverem sorte, há que saber esperar. Pode ser que o azar de outras aves seja a sorte destas. “Há sempre uma ‘reserva’ de indivíduos não reprodutores que aguardam uma ‘vaga’ para se reproduzirem. Se um dos membros de um casal morrer, é substituído por um destes indivíduos e o ninho é mantido”, explica Inês Roque. É por esse motivo, nota, que os ninhos desta espécie podem ficar ocupados “durante décadas”.

Divórcios e poligamia

De resto, ao longo da vida – que em cativeiro pode chegar aos 20 anos de idade mas na natureza costuma ser mais curta – as corujas-das-torres mantêm o mesmo par. Mas com excepções, ressalva a investigadora, pois “embora sejam pouco comuns, também há casos de divórcio e de poligamia.” Nestes últimos, exemplifica, pode acontecer “um macho ter duas fêmeas em ninhos próximos”, ou então “uma fêmea abandonar um ninho activo e fazer uma nova postura com outro macho”. Ainda assim essas situações costumam correr bem, pois “o macho abandonado pode cuidar da ninhada sozinho com sucesso”.

Se os dois tiverem permanecido unidos, é depois de concluída a postura que macho e fêmea se separam, embora por vezes continuem juntos. Mas mesmo que estejam distantes um do outro, é habitual ficarem no mesmo território, embora não já no ninho. “Costuma haver nas imediações vários poisos – locais elevados onde estas aves repousam durante o dia – que são usados pelos membros do casal fora da época de reprodução”, descreve a bióloga.

Entretanto no Inverno seguinte, se nenhum dos membros do casal tiver sucumbido às ameaças, voltarão a fazer-se ouvir enquanto fazem a corte. E se tiver a sorte de os escutar, já sabe. É porque as corujas-das-torres estão a namorar.


Saiba mais.

Nesta altura do ano, já estão a nascer as crias de outra ave de rapina nocturna, o bufo-real, contou à Wilder o investigador Rui Lourenço, aqui.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.