Ophrys apifera. Foto: Luís Afonso

O que queremos ver em flor: Erva-abelha

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Na semana do Dia Internacional do Fascínio das Plantas, que se comemora a 18 de Maio, a Wilder desvenda-lhe as espécies que especialistas no mundo botânico desejam observar. Saiba também o que os fascina e que medidas gostariam de ver aplicadas em Portugal.

Luís Afonso trabalha como fotógrafo de natureza e é especialmente dedicado às orquídeas silvestres. Recentemente concluiu o projecto de fotografar todas as orquídeas do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, num total de 40 espécies e subespécies diferentes, incluindo híbridos e variações de cor.

Wilder: Que planta ou plantas gosta de ver a florir no mês de Maio em Portugal? 

Luís Afonso: Portugal, embora pequeno, tem um calendário de floração distinto para as várias espécies no que diz respeito à geografia onde se encontram. Por exemplo, no Norte do país, algumas das orquídeas silvestres que já há muito estão em semente no Algarve e no Centro do país estão agora a florescer no Minho e em Trás-os-Montes. Como vivo no Centro e a minha área de eleição para a flora é o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, é fácil indicar a minha espécie favorita a florescer nos campos de maio do Centro: a Ophrys apifera. Vulgarmente conhecida como a orquídea-abelha ou, em Portugal, a Erva-abelha, é uma das orquídeas silvestres mais populares. O seu aspecto risonho não deixa ninguém indiferente.

“Enxame” de Ophrys apifera (erva-abelha). Foto: Luís Afonso

W: Porquê? E onde podemos encontrá-la?

Luís Afonso: A Ophrys apifera pode ser encontrada em quase todo país, em solos alcalinos ou pouco ácidos, secos ou com alguma humidade, em espaços abertos ou com pouca vegetação. São frequentemente encontradas nas bermas dos caminhos e mesmo nos jardins das nossas vilas e cidades. Floresce entre abril e junho.

Charles Darwin (1809 – 1882), o naturalista mais famoso de todos os tempos e grande apaixonado pelas orquídeas, deliciava-se a observar as O. apifera que encontrava nas colinas perto da sua casa em Downe. Nessas observações pôde constatar algumas das características mais fabulosas desta pequena flor que a tornam (juntamente com as outras orquídeas do género Ophrys) um dos seres vivos mais complexos do Planeta Azul.

Tal como todas as orquídeas, esta planta tem três sépalas e três pétalas, sendo que a pétala mais desenvolvida, o labelo, imita na perfeição o insecto que a poliniza, o macho da abelha Eucera longicornis. O insecto, quando encontra a flor (seja pelo aspecto visual, seja pelo olfacto, uma vez que as orquídeas chegam a libertar feromonas que lembram as fêmeas dos insectos que as polinizam), tenta copular com ela, fazendo com que as polinias (parte masculina da flor) caiam sobre a sua cabeça. Quando se “sente enganado” e vê que dali não leva nada, voa para outra flor, tentando a mesma sorte.

Ophrys apifera com as suas polinias penduradas. As polinias são uma massa pegajosa carregada de pólen e que se agarra ao insecto quando este tenta efetuar a pseudo-copulação. Foto: Luís Afonso

Com as polinias agarradas à cabeça, o insecto transfere agora a massa pegajosa de pólen para o estigma da flor (parte feminina da planta), fertilizando assim a planta. Quando tudo isto falha, a O. apifera tem ainda a capacidade de se auto-polinizar, pois, como lembrava Darwin, “as massas de pólen são fornecidas com glândulas pegajosas (…) caindo naturalmente das suas bolsas; e por terem o comprimento adequado, embora ainda presos à extremidade da glândula, caem na superfície estigmática, e a planta é assim autofecundada”. É uma flor realmente fabulosa, com uma estratégia de sobrevivência e de reprodução bastante evoluída. Nada mau para um “vegetal”, certo?

Ophrys apifera realizando auto-polinização. Quando a flor não é polinizada por insectos, esta deixa cair as suas polinias sobre o estigma, polinizando-se a si própria. Foto: Luís Afonso

W: O que é que considera mais fascinante nas plantas? 

As plantas são seres apaixonantes e mais “vivos” do que muitos de nós pensamos. As orquídeas estão cá há mais de 80 milhões de anos e constituem uma das famílias mais bem sucedidas do mundo natural. Para que conseguissem evoluir e sobreviver, adoptaram estratégias que muitas vezes nos deixam perplexos quanto à inteligência aplicada, algo que só os seres humanos estão autorizados a demonstrar e que por vezes “emprestamos” a alguns animais, mas nunca a um planta.

Mas as orquídeas são mestres na arte da decepção e conseguem o seus propósitos “enganando” insectos e outros animais para sobreviver. Hoje em dia existem mais de 30.000 híbridos do género Phalaenopsis, todos criados pelos humanos, e estima-se que este número cresça entre 500 a 1000 novas “espécies” todos os anos. Desde que no final do século XIX se descobriu como cultivar orquídeas, também nós passámos a polinizá-las. Quem diria que até nós seríamos “enganados” para que esta flor tão especial conseguisse evoluir desta forma? Darwin iria ficar feliz.

W: No que respeita à flora portuguesa, que medidas são hoje mais prioritárias?

Luís Afonso: Não sou biólogo, sou apenas um fotógrafo de natureza apaixonado por orquídeas silvestres e por essa razão não estudo muito esse tema, embora me interesse muito e deveria interessar a todos nós. O meu principal objetivo é dar a conhecer e com isso ajudar a criar consciência de que estas plantas existem e que merecem ser preservadas. E concordo com muitos dos especialistas quando dizem que, mais do que qualquer espécie, o que é preciso fazer é conservar os habitats.

Em Portugal existem diretivas de proteção dos habitats e, em especial, existe uma que diz respeito diretamente às orquídeas. A diretiva 6210, “Prados secos seminaturais e fácies arbustivas em substrato calcário”, tem o objetivo claro de proteger estes habitats tão importantes para as orquídeas nacionais. Segundo mostra o “Relatório Nacional de Aplicação da Diretiva Habitats”, no período 2013-2018, 72% dos habitats foram avaliados com estatuto desfavorável (inadequado e mau), quando no período 2007-2012 o valor se situava em 66%. Os habitats em situação favorável desceram de 30% para 24%… Este panorama leva-me a perguntar o que é que o Estado anda a fazer com os recursos (presumo que escassos) que atribui no âmbito da Rede Natura…

Como é óbvio, é fácil perceber que o futuro da flora portuguesa, no geral do país, não é tão risonho como o labelo da O. apifera parece ser. Se nada for mudado, podemos bem ter mais espécies a ser erradicadas do nosso país como algumas orquídeas que, infelizmente, tivemos no passado mas que hoje já não existem (caso da Epipactis palustris). Se calhar, em vez de andarmos preocupados se os nossos animais de estimação podem ou não entrar num restaurante ou se têm os mesmos direitos que nós, talvez devessemos canalizar as nossas energias e investimentos a proteger os habitats que dão casa aos seres vivos que escolheram o nosso país para viver… Mas presumo que isso não dê votos.

Tem de partir de cada um de nós essa consciência e exigirmos essa diferença. Começar por pedir aos responsáveis pela nossa terra que não usem glifosato para limpar as bermas das estradas e que apenas cortem os pastos e jardins no verão, usando meios mecânicos, pode ser um começo para salvar muitas das orquídeas do nosso país.


Saiba mais.

Descubra mais sobre o trabalho de Luís Afonso, aqui e aqui.


Agora é a sua vez.

Recorde estas cinco pistas para encontrar orquídeas silvestres.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.