Os cágados hibernam em Portugal?

Nos anos de frio mais intenso no nosso país, quando chega o inverno, os cágados acionam uma estratégia que lhes é crucial: a hibernação.

José Teixeira, responsável pelo projeto Charcos com Vida e investigador do CIIMAR (Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental da Universidade do Porto), explica que as duas espécies de cágados de Portugal e uma espécie exótica, o cágado da Florida, “reduzem a sua atividade e metabolismo quase a zero como defesa para as baixas temperaturas do inverno”.

Emys orbicularis. Foto: João Manuel Lemos Lima/WikiCommons

A estratégia é adotada pelas duas espécies de cágados selvagens portugueses – o cágado-de-carapaça-estriada (Emys orbicularis) e o cágado-mediterrânico (Mauremys leprosa) – mas também pelo cágado-da-Florida (Trachemys scripta), uma espécie exótica. E tanto por animais juvenis como idosos. A explicação para a hibernação dos répteis é simples. “Como estes animais não têm capacidade de regular a temperatura corporal, a hibernação surge como a principal estratégia de sobrevivência a temperaturas muito baixas”, diz o especialista. Além disso, há mais uma vantagem: “não necessitam de se alimentar durante este período, normalmente de menor disponibilidade de alimento”.

Mauremys leprosa. Foto: Bernard Dupont/WikiCommons

Antes de entrar em hibernação, os cágados preparam-se. Alimentam-se mais e procuram acumular gordura no corpo para resistirem melhor ao longo período de latência. A hibernação é uma estratégia tanto para os cágados nativos de Portugal como para o exótico cágado-da-Flórida que podemos encontrar, por exemplo, no Jardim Gulbenkian. Segundo José Teixeira, esta espécie hiberna, por norma, durante menos tempo do que as espécies nativas, “o que lhe pode dar mais uma vantagem competitiva em relação às nossas espécies”. “A grande maioria das espécies exóticas de cágados existentes em Portugal têm maiores dimensões e são mais vorazes e agressivas do que as espécies nativas. No caso do cágado-da-Flórida reproduzem-se mais novas e em muito maior quantidade. Assim, é essencial as pessoas perceberem que nunca podem libertar um animal exótico na natureza, pois tal pode vir a criar um desequilíbrio e uma ameaça importante à conservação da biodiversidade autóctone.”

A arte de hibernar

Quando chega a altura certa, os cágados fazem pequenas migrações e afastam-se um pouco das zonas húmidas para hibernar. “Escolhem locais seguros para se enterrarem ou esconderem debaixo de pedras ou troncos e ficarem em segurança”, descreve José Teixeira. “Já os locais escolhidos para estivarem, isto é, baixarem a atividade durante o tempo mais quente, são geralmente o fundo dos charcos ou lagos secos, onde podem manter alguma humidade corporal.”

Trachemys scripta. Foto: Grendelkhan/WikiCommons

Os cágados em Portugal podem passar entre três e seis meses “a dormir”, dependendo da temperatura que se fizer sentir. Por exemplo, na região norte do país, estes espantosos animais hibernam durante mais tempo (podendo chegar aos seis meses), enquanto na região sul, esse período é, em princípio, mais curto (dois a quatro meses nos anos mais frios). Em anos mais quentes e amenos, podem até nem chegar a hibernar. É por isso que, mesmo no inverno, é possível vê-los “Nos dias solarengos e quentes de inverno é possível alguns cágados saírem de hibernação e serem avistados junto às zonas húmidas.”

Mas a hibernação não traz só vantagens, também há um preço a pagar. Por isso, estes répteis precisam tomar decisões. Segundo José Teixeira, “quanto mais tempo os cágados passarem em hibernação, mais debilitados estarão quando saírem desse estado. Por exemplo, é frequente ficarem muito lentos durante vários dias ou até semanas”. “Numa situação extrema de uma hibernação muito longa isso pode comprometer a sua reprodução ou o seu sistema imunológico.” Frequentemente, o que acontece é os cágados passarem por um período de aclimatação e reposição de energia quando a hibernação termina e seguirem com a sua vida.


Um naturalista no Jardim Gulbenkian

Ao longo do ano, a cada mês, desvendamos alguns dos fenómenos que estão a acontecer no Jardim Gulbenkian e no mundo natural.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.