Um homem com boné e óculos de sol mostra um peixe-gato-americano, que terá capturado
Peixe capturado na Albufeira do Alqueva. Foto: Filipe Banha

Peixe-gato-americano: Este invasor muito abundante no Alqueva chegou a Portugal pelo Guadiana

No âmbito de uma série sobre espécies aquáticas invasoras, Filipe Banha, investigador do MARE – Centro de Ciências do Mar e do Ambiente na Universidade de Évora, ligado ao projecto LIFE Invasaqua, explica-nos quais são os maiores problemas causados por este peixe, que pode viver até aos 40 anos.

Que espécie é esta e onde pode ser encontrada?

O peixe-gato-americano (Ictalurus punctatus), também conhecido por peixe-gato-do-canal, é nativo da parte central da América do Norte (dos rios Mississippi e Missouri), prolongando-se desde o sudeste do Canadá até ao nordeste do México.

Esta espécie é bastante generalista e tolerante. Pode ocorrer em habitats que vão desde pequenos ribeiros até grandes lagos ou albufeiras e prefere locais com pouca corrente e águas oxigenadas e quentes. 

De resto, tolera temperaturas desde quase zero, até próximas de 38°C. Este peixe consegue sobreviver em águas poluídas e muito pouco oxigenadas e tem ainda a capacidade de tolerar alguma salinidade, porém são raros os registos em estuários. 

O peixe-gato-americano é omnívoro e oportunista, alimentando-se de matéria vegetal, invertebrados, crustáceos, peixes, anfíbios, pequenas aves e pequenos mamíferos. Tem uma elevada fecundidade e apresenta cuidados parentais, construindo ninhos em cavidades, com o macho a guardar os ovos e juvenis. A maturação sexual pode ser atingida ao fim de 3 anos, mas pode viver até 40 anos.

Como é que podemos identificar o peixe-gato-americano?

Em Portugal, existem três espécies de peixes-gato, todas invasoras, e são facilmente reconhecidas pelo corpo desprovido de escamas e pela presença de barbilhos longos junto à boca. 

O peixe-gato-americano apresenta dimensões e pesos intermédios, comparado com as outras duas espécies, e pode superar os 10 kg de peso, atingindo 1 metro de comprimento. A característica mais demarcada que permite distinguir esta espécie das outras é a barbatana caudal profundamente bifurcada. 

Um peixe-gato-americano capturado, ainda com anzol na boca, em cima das rochas
Um peixe-gato-americano,com os longos barbilhos junto à boca e a cauda dorsal bifurcada. Foto: Filipe Banha

Quanto à coloração, pode ser bastante diferente em função da turbidez das águas onde vive, variando desde tons acinzentados a verde-amarelados, podendo ser totalmente negro. Nos exemplares juvenis é muito comum existirem pontos pretos espalhados pelo corpo e que são característicos desta espécie.  

Mas afinal, qual é o problema com este peixe?

Apesar de ainda não existirem estudos que demostrem o real impacto desta espécie invasora em território português, sabe-se que o peixe-gato-americano pode exercer efeitos negativos sobre a biodiversidade. Noutros países onde foi introduzido, estão descritos impactos negativos sobre espécies ameaçadas de peixes e anfíbios, devido à competição por espaço e alimento e também por predação, pois alimenta-se de alguns desses animais. 

Por outro lado, em Portugal existem alguns relatos sobre os seus potenciais impactos socioeconómicos e na saúde humana, particularmente na Albufeira de Alqueva, onde se observa uma elevada abundância desta espécie. O peixe-gato-americano tende a ser considerado uma captura indesejada na pesca desportiva e profissional. 

Peixe-gato-americano dentro de uma espécie de camaroeiro, com rede
Um peixe-gato acabado de pescar no Alqueva. Foto: Filipe Banha

Além do mais, também causa danos consideráveis nas redes de pesca quando é capturado. Associada à sua manipulação está o risco de lacerações consideráveis, devido aos espinhos extremamente afiados existentes nas barbatanas peitorais e dorsal. 

E qual é a história da expansão desta espécie na Europa?

O peixe-gato-americano começou a ser importado no século XIX e foi amplamente introduzido, estando presente em mais de 32 países devido a sua relevância para a aquacultura, e também alguma importância para a pesca desportiva. Na Europa, existem populações estabelecidas na Alemanha, Bielorrússia, Rússia, Roménia, Hungria, Itália, Países Baixos, Chipre e França. 

Em Espanha, este peixe terá sido inicialmente introduzido em duas bacias hidrográficas distintas, por volta dos anos 80. O primeiro registo científico reporta a espécie no rio Ebro por volta de 1987. Já para o rio Guadiana, só é reportada cientificamente no final da década de 90, mas existem registos de pescadores segundo os quais esta espécie estaria presente desde 1983, na albufeira de Castilseras.

Desde esta localização terá expandido a sua distribuição para jusante, chegando às grandes albufeiras de Zújar e de La Serena, na Extremadura espanhola. Terá sido transportado dentro da bacia do Guadiana para a albufeira de Orellana ainda na década de 90. E posteriormente, expandiu-se ainda mais para jusante ao longo do troço principal espanhol do Guadiana, em direção a Portugal. 

E em Portugal, como é que apareceu?

Esta espécie foi capturada pela primeira vez em 2011 no Rio Guadiana junto da ponte da Ajuda, que fica próxima da cidade de Elvas. Tal como aconteceu com outras espécies de peixes introduzidos em rios internacionais em território espanhol, também o peixe-gato-americano acabou por dispersar naturalmente para jusante, chegando a Portugal.

Entretanto, colonizou toda a albufeira de Alqueva, onde é muito abundante e, já em 2016, foi pescado na zona de Mértola, pelo que está atualmente presente em todo o troço principal do rio Guadiana. A espécie também já foi detetada numa albufeira no Município de Montemor-o-Novo (Ciborro), na bacia hidrográfica do Rio Sorraia (afluente do Tejo).

Peixe-gato-americano pendurado num anzol
O peixe-gato-americano pode atingir 1 metro de comprimento. Foto: Filipe Banha

O que está a ser feito atualmente em território português para se controlar esta espécie? 

À semelhança de outras de peixes exóticos invasores, esta espécie está contemplada na regulamentação sobre pesca lúdica, desportiva e profissional em águas doces, de forma a que estas atividades contribuam para a remoção de indivíduos da natureza, sendo obrigatória a retenção após a captura. Ao estar também contemplada na lista nacional de espécies exóticas invasoras (Decreto-Lei n.º 92/2019, de 10 de julho), pode ser alvo de planos de controle e erradicação. No entanto, não há nenhum plano de controlo para esta espécie.

E como é que o projeto LIFE-INVASAQUA pode ajudar a gerir esta espécie invasora? 

O projeto Life Invasaqua tem contribuído para o aumento do conhecimento e da consciencialização sobre o peixe-gato-americano, estando o mesmo elencado no nosso guia de espécies exóticas invasoras, e na lista de espécies exóticas invasoras presentes na Península Ibérica. Também o nosso tríptico da pesca desportiva alerta para a obrigatoriedade da não devolução à água e proibição do transporte e introdução deste peixe. Toda esta documentação pode ser descarregada aqui


Se tiver ou necessitar de mais informações sobre o peixe-gato-americano, pode contactar o investigador Filipe Banha pelo email [email protected].


Série Espécies Aquáticas Invasoras

Em parceria com o projecto LIFE Invasaqua, a Wilder dá-lhe a conhecer algumas das principais espécies aquáticas invasoras em Portugal. O LIFE Invasaqua é um projecto ibérico co-financiado por fundos comunitários que divulga informação acerca da ocorrência e combate a espécies invasoras.

Recorde o que se passa em Portugal com o siluro, o mexilhão-zebra, a rã-de-unhas-africana, o alburno, a amêijoa asiática, o caranguejo-peludo-chinês, a amêijoa-japonesa, a gambúsia, o lagostim-sinal, a medusa Blackfordia virginica, o lucioperca, o caranguejo-azul, a ludevígia-rastejante, o jacinto-aquático, a íbis-sagrada, o mosquito-tigre-asiático, a pinheirinha-de-água, o visão-americano, a bisnaga, tartaruga-da-Flórida, ganso-do-egipto,  a sanguinária-do-japão, o chanchito, as elódeas e o lagostim-vermelho-da-luisiana.