Pode o Cavalo Selvagem voltar a Portugal? 

Foto: Christine Mendoza/Unpslash

Daniel Veríssimo, um economista maravilhado com a vida selvagem, fala-nos do místico Cavalo Selvagem, o antepassado perdido do cavalo doméstico. 

O Cavalo Selvagem, de nome científico Equus ferus, o antecessor selvagem do cavalo doméstico. Podia pesar entre 150 e 300 quilos, medir entre 1,20 e 1,60 metros, tinha diferentes cores e padrões de pelo e diferentes adaptações consoante o clima, e vivia em grupos familiares (1).  

Os cavalos eram um dos grandes mamíferos da Europa e da Ásia. Existiam desde as planícies abertas da Panónia na Hungria, passando pelas planícies da Europa de Leste até à Ásia Central. Das terras mediterrânicas quentes que lembram savanas na Ibéria, Itália e Grécia, até às zonas frias com florestas densas do Báltico e Norte da Europa (2) .

Existem sombras do cavalo selvagem na Europa e na Península: pinturas rupestres em França na gruta de Lascaux, em Espanha nas cavernas de Altamira, e gravuras a céu aberto no Côa. O cavalo de Pzerwalski, que existe na Ásia, é a única subespécie sobrevivente do cavalo selvagem (3).  

Cavalo de Pzerwalski. Foto: Petr Jan Juračka/Wiki Commons

Na Península Ibérica era uma animal comum. Os Romanos, ao descreverem a Península, escreveram que “crescem na Ibéria muitas corças e cavalos selvagens” (4). Na língua, um facto curioso e pouco conhecido, o nome Zebra (5) é originário da palavra portuguesa e espanhola Zebro / Cebro (6), nome dado a um equídeo antigo com zebruras (riscas). Até na toponímia, os nomes de localidades também demonstram a abundância do cavalo, com nomes como Zebreira na Beira Baixa, ou Ribeira do Zebro na Amareleja. Várias razões levaram ao seu desaparecimento em estado selvagem, desde a competição com cavalos domésticos, à perda e simplificação de habitat e à caça (7).

Hoje, em alguns cantos do mundo, como partes da Mongólia (8), no Oeste Americano (9), em zonas húmidas mediterrânicas como Doñana (10) ou Camargue (11), ou ainda na Galiza (12), existem populações de cavalos assilvestrados ou em regime semi selvagem. São descendentes de cavalos domésticos que hoje vivem livres ou com pouco contacto com o ser humano. Sobrevivem num ambiente selvagem, expostos aos elementos, ao clima e aos predadores. 

Existem várias raças de cavalos que mantêm traços antigos. Os cavalos Sorrais, os Kunik ou os póneis de Exmoor são alguns exemplos (13). Numa escala menor e limitada, os cavalos garranos no Gerês, em regime semi selvagem, substituem o papel do cavalo selvagem e desempenham um papel que de outro modo estaria ausente do ecossistema. 

O cavalo selvagem é um elo de ligação, é uma importante presa para o lobo ibérico, uma fonte de alimento para as aves necrófagas, ajuda a dispersar sementes, mantém um mosaico de habitats ideal para a perdiz e o coelho e, ao longo do seu ciclo de vida, cria imensas oportunidades para invertebrados, insetos de todos os tamanhos e cores (14). É um animal que precisa de grandes áreas, é um jardineiro de paisagens vastas, que cria zonas de mosaico entre clareiras e florestas, ajuda a manter prados com mil e uma plantas e flores, transporta nutrientes ao longo de várias distâncias e, através da pastagem, reduz o impacto e severidade dos incêndios (15), o que ajuda a reter e armazenar carbono (16).

Gravuras na caverna de Lascaux, em França. Foto: arzu çakır/Wiki Commons

A nível económico, replicar as funções do cavalo selvagem é caro e dispendioso. Para substituir ou replicar essas funções, é necessário subsidiar animais domésticos ou usar meios mecânicos (17). Cada cavalo Garrano semi selvagem no Gerês é elegível para subsídio. Cada desmatação mecânica precisa de tempo, mão de obra, e dinheiro. Cavalos selvagens fazem as mesmas funções livres de custos, com melhores resultados para a biodiversidade, e criam ainda novas oportunidades de desenvolvimento económico, por exemplo através do turismo de natureza. 

Em Portugal existem várias zonas com habitat potencial para o cavalo selvagem. Zonas de montanha como Montesinho, a Serra da Estrela ou a Malcata. Nas colinas, planícies e planaltos do Alentejo, Trás-os-Montes e Ribacôa. No litoral, nas florestas de pinheiros bravos de Aveiro, passando pelos pinhais de Leiria, às florestas de pinheiros mansos de Setúbal até à Costa de Melides. Até há espaço para restaurar migrações antigas, ao ritmo das estações, entre planícies e zonas de montanha. 

O cavalo do passado está extinto, mas podemos usar raças com características antigas para recuperar funções perdidas. 

A questão do regresso do Cavalo Selvagem coloca ainda outras perguntas: Qual a melhor estratégia para conservar e restaurar a natureza, gerir declínios de espécies ou restaurar funções perdidas? Atuar a uma escala “canteiro de jardim” ou a uma escala de paisagem? Restaurar ecossistemas ao ponto de se auto-sustentarem e regularem (18) ou manter ecossistemas dependentes da mão humana? 

O regresso do cavalo selvagem pode ajudar a responder a algumas destas perguntas. 

Para quando o regresso do Cavalo Selvagem?


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