Por que é que os morcegos descansam de cabeça para baixo?

Nesta altura do ano, durante o rebuliço do dia-a-dia, há morcegos que descansam escondidos em abrigos, à espera da chegada da noite para saírem e se alimentarem de insetos. Mas por que escolhem estes mamíferos descansar de cabeça para baixo? Paulo Barros, investigador da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), sabe a resposta.

O que para nós pode parecer estranho, para um morcego faz todo o sentido: descansar de cabeça para baixo é mais eficaz e tem menos gastos energéticos.

Foto: Paulo Barros

“Evolutivamente, os morcegos foram melhorando os seus poderosos membros superiores, tão necessários para a sua mobilidade. Em contrapartida, a capacidade dos seus membros inferiores foi diminuindo, a tal ponto, que eles têm imensa dificuldade em ficar eretos”, explica Paulo Barros. “Por isso, e ao contrário das aves que levantam voo, ganhando impulso com um salto (realizado pela força motriz das pernas), os morcegos precisam de estar em locais altos e de cabeça para baixo (posição sem qualquer gasto energético para os morcegos) para se deixarem cair e começarem a voar.”

E se afinal já achamos que é uma excelente opção, como é que os morcegos conseguem descansar assim, sem cair? Estes fantásticos animais, que nesta época do ano podemos ver a sobrevoar o Jardim Gulbenkian ao final do dia, encontraram uma solução engenhosa: um mecanismo de travão dos tendões.

“Ao contrário de nós humanos, que temos os nossos membros naturalmente relaxados, tendo que fazer força para contrair a mão, por exemplo, os morcegos possuem os dedos dos membros inferiores naturalmente contraídos e têm que fazer força para se soltar”, acrescenta o investigador.

Este mecanismo de travão dos tendões “faz com que as garras das patas se mantenham fechadas quando os morcegos estão relaxados”.

E como o sistema de tendões dos morcegos é invertido, “ao dormirem de cabeça para baixo, o seu próprio peso faz com que as garras dos membros inferiores se contraiam ainda mais, não necessitando assim de gastar qualquer energia para estar agarrados e pendurados”. Apenas precisam de energia para se soltar.

Foto: Paulo Barros

É um comportamento que só traz vantagens. Outra é dificultarem a vida aos seus predadores. “Ao dormirem de cabeça para baixo em locais elevados – como tetos de casas, minas ou grutas – os morcegos diminuem a possibilidade de serem predados, em especial na época em que estão mais vulneráveis, como na época de hibernação ou durante a reprodução.”

Esta estratégia de descanso é adoptada tanto na época de atividade, nos meses mais amenos e quentes do ano, como na época de hibernação.

Mas o que é certo é que nem todas as espécies de morcegos dormem de cabeça para baixo, penduradas dos tetos.

Outras espécies, como as fissurícolas – isto é, morcegos que se abrigam debaixo de telhas e em fissuras nos edifícios, mesmo com apenas alguns milímetros de largura -, “podem dormir em outras posições mais ou menos inclinadas ou mesmo na horizontal, mas sempre tendencialmente numa posição invertida (com a cabeça numa posição inferior). Esta é a posição que consome menos energia nos morcegos, pelo que é a que usam preferencialmente”.


Ao longo do ano, a cada mês, a Wilder desvenda-lhe alguns dos fenómenos que estão a acontecer no Jardim Gulbenkian e no mundo natural.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.