Retrato de um naturalista: Antónia Rafael da Silva

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Antónia Rafael da Silva, 39 anos, vive no Vale do Sousa e trabalha em consultoria de comunicação. Há mais de 15 anos faz caminhadas diárias na natureza, onde se sente bem e em família. Criou um novo espaço de assinatura dentro do seu site para partilhar as fotografias que registam o seu fascínio pelo mundo natural, nesta época em particular pelos cogumelos.

WILDER: Quando começou a fotografar cogumelos?

Antónia Rafael da Silva: De forma mais empenhada diria que se trata de um gesto recente. Poderá, curiosa e eventualmente, ter decorrido dos efeitos no mundo natural desta crise pandémica que assolou o ano de 2020. Comecei a notar, durante as minhas caminhadas no território onde fixei residência, e onde há mais de 15 anos realizo caminhadas diárias de pelo menos 1h45, uma manifesta e surpreendente abundância de espécies que não eram tão facilmente observadas por aqui. E não me refiro apenas a cogumelos. Apesar de não ser uma especialista na matéria, o que perceciono é que foi acontecendo algo muito próximo de uma regeneração e/ou reocupação natural que me tem entusiasmado muitíssimo. 

W: Porque começou? O que a fascina nestas espécies e na natureza em geral?

Antónia Rafael da Silva: Desde criança que sou fascinada pelo mundo natural. Tive o benefício de nascer e crescer numa família muito vinculada com a terra, com os animais e com a natureza. A minha bisavó e os meus avós cultivaram esse gosto em mim, ensinaram-me o respeito e o cuidado e proporcionaram-me experiências e aventuras extraordinárias. Aliando esse meu contexto de vida a uma curiosidade que nunca cessa, só se multiplica, não será difícil desvelar que é no meio da natureza que me sinto bem e em família. 

W: O que representa a fotografia de natureza na sua vida?

Antónia Rafael da Silva: Não me considero uma fotógrafa de natureza. Por um lado, as fotografias que fiz até ao momento foram todas tiradas em contexto de caminhada e sem recurso a equipamento profissional. Na verdade funcionam para mim mais como apontamentos estéticos, registos de percurso e de pensamento, com uma preocupação ética em pano de fundo. Não houve propriamente uma procura e uma espera, um trabalho científico de identificação e catalogação. Na generalidade dos casos, o que documentei decorreu de observação empírica esporádica/aleatória. O acaso está quase sempre presente. O meu olho procura o movimento mais ínfimo que o espanta. Sou capaz de interromper a passada por um fio de luz numa teia de aranha ou por um suspiro de pássaro. A maior parte das vezes nem me ocorre fotografar.

W: Quais espécies que mais gosta de observar e de fotografar?

Antónia Rafael da Silva: Aquelas que ninguém percebe. As que estão de tal forma mergulhadas no seu mundo que ninguém se lembra delas. Um pedaço de madeira ou um vestígio de muro de pedra podem abrigar uma infinidade de seres que, pelas relações que estabelecem e papéis que desempenham, nos podem dar grandes e importantes lições de vida. Também gosto de fotografar aquelas que me visitam. Aquelas que se pronunciam.

W: Quantas espécies já fotografou e em que regiões?

Antónia Rafael da Silva: Não sei responder. Tenho uma espécie de arquivo no computador com imagens dos últimos 15 anos, em Portugal, mas antes disso já tinha feito vários registos em 35mm.

W: Qual o seu objectivo com este site de fotografia de natureza?

Antónia Rafael da Silva: O meu site já tinha um espaço de assinatura chamado “Narrativas Quotidianas”, onde fui publicando alguns textos acompanhados de fotografia (alguns ainda lá estão disponíveis). Parte desses textos e fotografias já reflectiam, de um ponto de vista poético, a minha experiência da caminhada como encontro com o mundo natural. Entretanto, fui-me dando conta de um interesse crescente, por parte de amigos e seguidores do site, que foram indagando no sentido de tentarem “entrar” um pouco mais nessa minha experiência individual, ou seja, surgiram perguntas como “o que é que tu vês ao certo nos sítios por onde caminhas?”, ou “como é viver e trabalhar no campo?”, e “por que é que gostas tanto de viver aí?”, etc. E eu achei que poderia ser um bom exercício criar estas publicações com apontamentos (por agora apenas visuais) da vida em ambiente rural e da natureza propriamente dita. Assim nasceu a assinatura “Presença e Caminhada”, disponível no mesmo site. Também foi uma forma de me desafiar e obrigar a estudar melhor a circundante, a rever identificações de espécies e a abrir espaço para um maior diálogo e troca de saber. A minha formação de base foi científico-natural, por isso também é uma forma de regressar, de reescrever, de “voltar a ser aprendiz”. Logo vejo aonde esta partilha me levará e se evoluirá para um storytelling mais completo. 


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Conheça aqui a nossa série “Retrato de um Naturalista”.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.