Retrato de um naturalista: Hugo Santos

Foto: D.R.

Hugo Manuel Jegundo Santos tem 29 anos e acumula o trabalho como auxiliar de saúde com as aulas para a licenciatura em enfermagem. Há dois anos, comprou uma câmara de infravermelhos e começou a captar imagens de fauna. “Portugal é um país com exemplares lindíssimos de diferentes espécies”, sublinha. 

De que forma expressa e satisfaz o seu gosto pela natureza?

Gosto muito de correr e caminhar na natureza, olhar para o chão e identificar rastos ou pegadas, ou até mesmo sentar-me a contemplar um belo pôr do sol. Essa hora é sempre mágica – a hora do crepúsculo. Parece que as aves aproveitam os últimos instantes de luz para exibirem os seus cânticos ainda com mais vigor. É uma explosão sonora surreal.

E de repente, tudo começa a acalmar, devagarinho,  até se prepetuar um silêncio “ensurdecedor” com a vinda da noite. E todo outro reino da natureza acorda, os guardiões da noite. Aí todos os nossos sentidos apuram-se ao máximo. Ficamos atentos a qualquer estalar de um galho, um abanar da vegetação, ou qualquer barulho. Tudo pode ser qualquer coisa… Normalmente aproveito essa altura para encontrar um cantinho e esconder-me para ver se tenho a sorte de ter um “encontro imediato” com algum animal. 

Vídeo de uma gineta, por Hugo Santos

Mais tarde percebi que por muita agilidade e capacidade furtiva que possa ter, há situações em que acho que estou bem escondido mas já tenho um par de olhos curiosos a olharem para mim, bem cientes da minha presença desde que ali cheguei. Isto faz-me pensar que o ser humano pode ser a espécie dominante, mas ali, quem está melhor preparado é quem nunca se desconectou da Natureza. 

Tenho uma história engraçada com o meu pai. Eu andava a seguir os rastos de um casal de corços há uns dias. Tracei mais ou menos os hábitos deles e sabia que por volta das 14h/15h estariam numa encosta ao sol. Já tinha comentado que os andava a observar, e naquele dia convidei o meu pai para vir comigo vê-los. Respondeu-me que eu devia achar que eles estavam lá à minha espera e fiz uma aposta com ele. E quando lá chegámos, bem, foi bonito ver o ar maravilhado do meu pai a olhar ao ver os saltos imperiais que eles davam.

Entretanto, comprei uma câmara de infravermelhos para experimentar gravar alguns vídeos, o que me ajudou a ter uma ideia mais detalhada das diferentes espécies de animais, dos seus hábitos e comportamentos. Talvez um dia arranje uma máquina fotográfica para poder tirar algumas fotografias. Gosto também de desenhar e esculpir em barro, mas sou exigente comigo próprio e acho que ainda não está aperfeiçoado ao ponto de ser partilhado. Gostava de um dia conseguir fazer ilustrações científicas.

Quando é que se começou a interessar por natureza?

Desde que me lembro que gosto muito de animais. Quando era miúdo, havia dois programas que eram sagrados para mim e que não falhava. O Dragon Ball e o BBC Vida Selvagem. 

E tive a sorte de ter crescido numa aldeia. O meu avô passou-me o gosto pelas aves. Tinha imensos pássaros das mais variadas espécies. Antigamente era comum ter espécies como o corvo, o gaio-comum, o melro-preto, a pega-rabuda como animais de estimação. Sempre fui apaixonado pelas ciências naturais e a minha mãe, que é professora de Geografia, alimentou-me essa paixão. Quando era pequeno, o melhor presente que alguém me podia dar era um mineral ou um fóssil para acrescentar à minha coleção, ou uma miniatura de um animal do Imaginarium.

E porque é que começou a gravar vídeos de animais selvagens?

Comecei a gravar vídeos há cerca de dois anos, quando comprei a câmara de infravermelhos. O que me moveu foi mesmo um sentimento de realização pessoal. Pensava que se um dia uma espécie que tivesse capturado em vídeo estivesse extinta, iria perpetuar a memória dela e ensinar aos meus filhos o nosso dever de proteger a Mãe Natureza. 

Cheguei a publicar alguns vídeos numa página de Youtube, sem qualquer intenção para além da partilha com quem tem a mesma paixão. Hoje em dia penso na possibilidade de poder partilhar esses vídeos com o intuito de informar e sensibilizar para a proteção e conservação do meio ambiente. Comecei a pensar nisto quando me questionavam acerca do local onde tinha visto isto ou aquilo, ou que animal era este ou aquele. Notei que havia muito desconhecimento sobre a fauna portuguesa.

Vídeo de uma raposa, por Hugo Santos

Não é preciso ir para uma savana ou uma floresta exótica para ver animais bonitos. Portugal é um país com exemplares lindíssimos de diferentes espécies.  É normal termos tendência a gostar mais de certos animais do que outros, às vezes através do que eu chamo o “fator fofinho”. Quanto mais fofinho for o animal, mais as pessoas gostam dele. Por exemplo, muita gente não gosta de cobras. “As cobras só fazem mal e são para matar”. Este tipo de ideias entristece-me. Há  que transmitir a ideia do que é um ecossistema estável e da sua importância. Não é por um animal ter menos de 1/3 do nosso tamanho que merece menos de 1/3 do nosso respeito.

Que espécies ou locais mais procura e gosta de observar?

Tudo o que tenho observado tem sido nas áreas circundantes à minha zona de residência, Cartaxos, aldeia nos arredores de Coimbra. Mas estou a planear ir à Lousã observar o veado-vermelho. 

Gosto muito de observar o javali, são autênticos tanques de guerra e animais extremamente resilientes. Às vezes, começo a ouvi-los 10 minutos antes de chegarem ao local onde estou acampado. Quando começo a ouvir aquele quebrar inconfundível de galhos, de ramos e de tudo o que está à sua frente, o meu coração dispara.

Vídeo de javalis, por Hugo Santos

Também adoro ver a majestosa gineta, que para mim, é um “ninja” na arte de se mover sem ser vista. E ultimamente ando focado em observar o corço. Tenho identificado os seus rastos, mas não está a ser fácil vê-los!

O que o fascina na natureza e o que esta representa na sua vida?

Além de algo que me transmite paz, para mim, a natureza representa as nossas origens mas também o nosso futuro.

Por mais tecnológico e cómodo que seja o nosso quotidiano, por mais desconectados que estejamos, nós somos natureza. O que me fascina é a Biodiversidade e a arquitetura com que parece que as coisas foram desenhadas. As diferentes formas, os padrões, as funcionalidades e os processos evolutivos são intrigantes. 

Pela vida que levamos, pelo ritmo que temos,  fomos obrigados a silenciar certo tipo de inputs que já não são imprescindíveis à nossa sobrevivência. Muitas vezes esquecemo-nos de como certas coisas simples, como sentir a chuva, o vento, o calcar a terra descalço, sabem tão bem! Penso que o verdadeiro desafio do ser humano é gerir toda a nossa evolução, sem esquecer que não podemos ser arrogantes ao pensar que vivemos sem Natureza ou que a podemos usar infinitamente!

Há alguma mensagem que gostaria de deixar para os responsáveis pela conservação da natureza em Portugal?

Penso que faz sentido reforçar e apostar em programas de reflorestação e de repovoamento de espécies animais autóctones. Vivemos num Portugal em que é mais comum encontrar eucaliptos do que espécies nativas!

Outra situação que fustiga muito o nosso país é a problemática dos incêndios. É inegável a existência de uma “indústria do fogo” e de toda a movimentação económica que esta gera. Estratégias como o controlo do comércio de terrenos queimados poderiam ter efeito de diminuição do número de fogos em Portugal.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.