Retrato de um naturalista: João Esteves

João Esteves. Foto: D.R.

Com o Secundário agora concluído, João Esteves pretende ingressar no curso de Biologia. Este estudante de 19 anos fotografou um lobo na zona de Castelo Branco, provando que a espécie pode estar de regresso à região: “[O lobo] seguiu calmamente o seu caminho sem reparar na nossa presença. Foram uns segundos incríveis”, contou à Wilder.

WILDER: De que forma expressas e satisfazes o teu amor pela natureza?

João Esteves: O meu gosto pela natureza expressa-se essencialmente ao passar várias horas no campo a fazer observação da natureza e de tudo o que nela habita, com principal destaque para a classe das aves.
Dentro do reino animal foi sempre a classe que mais me fascinou devido às suas características comportamentais, como a migração, a reprodução e outras.

A observação desses comportamentos no campo é sempre acompanhada de uma grande emoção e é isso que me faz sair de casa.

A fotografia, na minha opinião, é também importante, já que me permite ‘’eternizar’’ momentos e observações feitas no campo. Serve também para sustentar a veracidade de observações menos comuns. [Como a do lobo que João Esteves fotografou no final de 2020].

Apesar de observar aves já há bastante tempo, apenas comecei a registar tudo o que via a partir de 2018. Para tal, utilizo a plataforma eBird para submeter as minhas observações, que para além de ser uma forma fácil de as organizar, é uma forma de contribuir para a ciência, já que os dados podem ser utilizados para estudar as aves. Mais recentemente, comecei a utilizar também o iNaturalist para submeter outras formas de vida, pois abrange todas as espécies de todas as classes, o que me despertou a atenção para outras áreas como os insetos e as plantas.

Por outro lado já tive a oportunidade de participar em atividades ligadas à área – como por exemplo no projeto LIFE LINES, que tem como um dos objetivos estudar e diminuir o impacto das linhas elétricas na mortalidade das aves – e noutras atividades ligadas à contagem e estudo de aves.

Guarda-rios (Alcedo atthis). Foto: João Esteves

W: Quando é que te começaste a interessar pela natureza?

João Esteves: O interesse pela natureza vem desde muito cedo. Lembro de ter sempre a prateleira cheia de livros de natureza e animais. Passava grande parte da minha infância na aldeia rural de Penha Garcia, e o meu passatempo preferido era percorrer os ribeiros à procura de animais. Este contacto com o meio natural, desde muito cedo, contribuiu para que hoje em dia seja um lugar onde tenho muito prazer em estar.

Cobra-de-água-viperina (Natrix maura). Foto: João Esteves

W: E porque é que começaste a participar em censos e noutras atividades?

João Esteves: Desde que entrei neste meio já conheci várias pessoas que considero bastante, inclusivamente pessoas que trabalham na área. Não posso deixar de referir os nomes dos técnicos da Quercus Pedro Alves e Samuel Infante, a quem agradeço, que regularmente me incluem em várias actividades e que tenho todo o gosto em ajudar. Para além destas ações satisfazerem o prazer de estar em contacto com a natureza e com os animais, também me preparam para o meu objetivo que é profissionalizar-me na área.

W: Como é que aconteceu fotografares aquele lobo na zona de Castelo Branco?

João Esteves: A observação do lobo foi completamente inesperada. É um local onde por vezes paro para observar. A presença das ovelhas feridas chamou-me logo a atenção e após alguns minutos de especulação e inclusive uma piada sobre o facto de poder ter sido um lobo, ele apareceu na mira dos binóculos. Como não tenho experiência com a espécie, enviei logo a algumas pessoas que poderiam com a sua experiência excluir possíveis confusões com o cão-doméstico, mas confirmou-se ser mesmo um lobo. Não queria acreditar. Deu para registar com um par de fotos. Seguiu calmamente o seu caminho sem reparar na nossa presença. Foram uns segundos incríveis.

Lobo-ibérico na região de Castelo Branco. Foto: João Esteves

W: Já tinhas visto lobos antes?

João Esteves: Nunca tinha tido contacto com esta espécie. Aliás, as zonas onde ocorrem em Portugal são locais que ainda não explorei, mas que tenho muita vontade, já que são locais de paisagens muito agradáveis e muito ricas em biodiversidade. Em breve.

W: Que espécies ou locais mais procuras ou gostas de observar?

João Esteves: Tenho a sorte de morar num distrito [Castelo Branco] muito privilegiado no que toca à diversidade de habitats e espécies. Só dentro dos limites do distrito, já observei quase 210 espécies diferentes de aves. Existem aqui zonas húmidas importantes, os Parques Naturais do Tejo Internacional e da Serra da Estrela, as planícies de Idanha-a-Nova – que infelizmente sofrem agora com a cultura intensiva e consequente desaparecimento de espécies com estatuto de conservação muito sensível – e diversos outros habitats, que enriquecem a biodiversidade da região.

Como as aves podem ser algo imprevisíveis, gosto de explorar um pouco de todos os locais e ser surpreendido. Como um dos meus objetivos é também observar espécies novas, por vezes também me desloco a certos locais para observar espécies específicas. Mas claro que há grupos que me despertam maior interesse, tais como os anatídeos e as rapinas noturnas.

Frisadas (Anas strepera). Foto: João Esteves

W: O que te fascina na natureza e o que esta representa na tua vida?

João Esteves: O que mais me fascina na natureza é a sua capacidade de evoluir e de se ajustar às adversidades que vão surgindo. A perfeição e sintonia com que tudo está ligado e em funcionamento de forma muita dinâmica é impressionante. Tudo faz sentido.

Mocho-pequeno-d’orelhas (Otus scops). Foto: João Esteves

W: Há alguma mensagem que gostarias de deixar aos responsáveis pela conservação da natureza em Portugal?

João Esteves: Felizmente temos várias entidades que já fazem um belo trabalho em prol da conservação das mais variadas espécies. Para além disso, acho que faz falta também a cada um de nós um pouco de curiosidade e conhecimento, para desmistificar algumas narrativas que se mantêm ainda desde as gerações mais antigas. Isto ajudará a que as pessoas comecem a perceber a importância da conservação e que é possível coexistir com todas as espécies.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.