Pedro Cardia. Foto: Stanley Kirakou

Retrato de um voluntário pela natureza: Pedro Cardia

Pedro Cardia, biólogo de 46 anos a viver no Porto, encontrou no voluntariado pelas aves a forma de aliar o gosto de estar ao ar livre com o ajudar a conservar as espécies selvagens.

WILDER: O que faz enquanto voluntário?

Pedro Cardia: Sou revisor nacional do eBird em Portugal, responsável regional do III Atlas das Aves Nidificantes, e sou o coordenador regional do Projecto Arenaria para a região Norte. Além disso participei no censo nacional do borrelho-de-coleira-interrompida e no censo nacional da gaivota-de-patas-amarelas.


W: Há quanto tempo é voluntário pela natureza e o que o levou a começar a participar?

Pedro Cardia: Julgo que o primeiro projecto de voluntariado pela natureza em que participei foram as campanhas invernais de inspeções costeiras, nos anos 1980-1990, no âmbito da actividade do núcleo do Porto da Quercus. O que me levou a começar a participar? O desejo de contribuir para a conservação da natureza aliou-se ao gosto por estar ao ar livre e ao prazer da descoberta das pequenas maravilhas do mundo natural.

W: Quais são os maiores desafios de um censo de aves como o Arenaria?
Pedro Cardia: A um nível mais de organização, os maiores desafios são cativar novos voluntários para cada novo ano do projecto e manter a participação dos voluntários que já participaram em anos anteriores. Para a gestão de cada nova época do projecto, o desafio é conseguir cativar um número de observadores que, em conjunto, possam assegurar a cobertura de todo o território a norte da barra de Aveiro (a região que coordeno). Para a execução do censo do Arenaria, é sempre preciso conciliar a vida familiar com os horários das marés e a meteorologia invernal que por vezes é “arisca”.

W: Quando começou o seu interesse pelas aves?

Pedro Cardia: Há já bastante tempo! Nos anos 1980 o meu pai comprou um conjunto de quatro pequenos guias de campo ilustrados na feira do livro do Porto. Um era dedicado às flores de jardim, outro às flores silvestres, outro à fauna e flora da costa marítima e outro às aves. Esses quatro guias de campo passaram a ser companhia habitual nas férias de família (as férias grandes, que duravam até Outubro!), junto com uma caixa de lápis de cor, um bloco de folhas A4 para desenhar e pintar/colorir e uns binóculos emprestados pelo meu avô. As ilustrações e os pequenos textos destes guias deram nome às coisas. A ave branca, preta e cinzenta já não era só isso, tinha um nome e era a lavandisca. Aquela bolinha castanha irrequieta era uma carriça. E criavam o desejo de descobrir o que lá estava ilustrado mas que ainda não tinha observado.

W: Porque considera as aves tão especiais?

Pedro Cardia: São extrovertidas, o que para uma pessoa um pouco introvertida é sempre um fascínio. Cantam, voam, têm plumagens com cores garridas e contrastadas, não se escondem (com excepções; estou a pensar em vós Cettia cetti e Locustella naevia !)… São também uma das mais fáceis “janelas” para observar e aprender a conhecer um pouco mais sobre o nosso património natural. Por acção ou inacção somos todos gestores do património natural. Convém conhecer melhor que valores temos à nossa guarda para tomarmos as opções mais correctas, individualmente e como sociedade.

W: Como aprendeu a identificar estas espécies?

Pedro Cardia: Nos meus primórdios como observador de aves, identificava as espécies por comparação entre o que via e observava e as ilustrações (ou fotografias) e texto dos guias de campo. Esta componente visual da identificação de aves é extremamente importante e continuou comigo desde então. Mas, no início, eu descurava quase por completo a componente sonora da identificação de aves. Muito pouco a pouco, fui começando a prestar a (mais que devida) atenção à parte sonora. As aves são não só espécies que tendem a ser conspícuas visualmente como o são, ainda mais, auditivamente. A quase totalidade das espécies usam sons como forma de comunicação. Muitas espécies, particularmente de passeriformes, cantam para atrair um parceiro do sexo oposto e/ou defender um território perante outros membros da mesma espécie. Para além do canto, a quase totalidade das espécies usa também chamamentos. No seu conjunto, o reportório vocal de uma espécie é uma assinatura sonora que permite a sua identificação, mesmo quando não a estamos a ver.

W: O que tem aprendido e o que tem ganhado com esta experiência de voluntariado?

Pedro Cardia: Em duas palavras: pessoas, locais. A participação em projectos de voluntariado com aves, como os atlas da avifauna e o meu trabalho voluntário como um dos revisores do eBird em Portugal, colocou-me em contacto com muitas outras pessoas que partilham este gosto pelas nossas aves. E tenho tido a sorte de encontrar e conhecer várias delas enquanto observamos aves. Por outro lado, este tipo de projectos têm-me levado a descobrir locais que, de outro modo, dificilmente seriam o destino de algum passeio ou viagem minha.

W: Costuma participar nos censos sozinho, acompanhado ou em grupo? E porquê?

Pedro Cardia: Depende do objectivo do censo e da agenda familiar. No caso do atlas, tenho feito maioritariamente trabalho a sós. A participação no censo nacional do borrelho-de-coleira-interrompida foi um trabalho conjunto de toda a família.


Saiba mais.

Descubra mais sobre o III Atlas das Aves Nidificantes, um dos censos em que Pedro Cardia participa, e também sobre outras contagens realizadas pela SPEA, aqui.


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.