Retrato de um voluntário pela natureza: Ricardo Tomé

Ricardo Tomé. Foto: DR/arquivo

Este biólogo de 52 anos, residente em Carcavelos, trabalha como consultor na empresa internacional de consultoria ambiental The Biodiversity Consultancy. Graças aos censos de aves, Ricardo Tomé diz que aprende mais, conhece novos locais e pessoas e ainda se sente envolvido numa causa maior.

Wilder: O que faz enquanto voluntário?

Ricardo Tomé: Participo em vários programas de monitorização de aves, organizados pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), que se baseiam na recolha de dados por voluntários: o CAC – Censo de Aves Comuns, o NOCTUA Portugal (organizado pelo GTAN – Grupo de Trabalho em Aves Noturnas) e o Arenaria (contagem de aves costeiras), que são programas anuais de monitorização a longo termo.

Mas também colaboro em muitos outros projetos de duração mais limitada, como o Atlas das Aves Nidificantes em Portugal, o Censo de Periquitos-de-colar, o Censo da População Invernante de Coruja-do-nabal. E ainda participo em ações de Bioblitz (identificação do maior número possível de espécies de fauna e flora) organizadas pela plataforma Biodiversity4All… Enfim, só não participo em mais alguma coisa porque o tempo não dá para tudo!

Pega-azul ou charneco (Cyanopica cooki). Foto: Ricardo Tomé
Mocho-galego (Athene noctua). Foto: Ricardo Tomé

W: Há quanto tempo é voluntário pela natureza e o que o levou a começar a participar?

Ricardo Tomé: Penso que terei começado sobretudo aquando da fundação da SPEA, em 1993. Nessa altura comecei a guiar voluntariamente várias saídas de observação de aves para sócios e também a oferecer-me para coordenar ou colaborar nos programas de monitorização que se iam desenvolvendo.

Mas antes disso, na Faculdade de Ciências, já ajudava colegas que desenvolviam os seus projetos de doutoramento, por exemplo.

O que me levou a começar a participar foram três motivos principais: aprender, à medida que recolhia dados biológicos ou ajudava a recolhê-los; sentir que colaborava na recolha de informação útil para a conservação de espécies e de habitats; e, muitas vezes, partilhar o meu próprio conhecimento (sobretudo em ornitologia), ajudando outros a evoluir e contribuindo para uma sensibilização ambiental mais alargada.

Alvéola-branca (Motacilla alba). Foto: Ricardo Tomé

W: Quais são os maiores desafios dos censos de aves em que tem participado?

Ricardo Tomé: Creio que o maior desafio será a existência, por vezes, de algumas barreiras físicas à entrada e movimentação em espaços que deveriam ser monitorizados, mas muitas vezes são propriedade privada.

Outro desafio é a execução de censos em áreas urbanas, o que muitas vezes suscita demasiada curiosidade, e até desconfiança, pois em Portugal não é usual ver-se alguém de binóculos a andar pela via pública…

Garça-real (Ardea cinerea). Foto: Ricardo Tomé

W: Quando começou o seu interesse pelas aves?

Ricardo Tomé: Muito, muito novo, tinha eu 10 anos!

W: E porque considera as aves tão especiais?

Ricardo Tomé: Todos os grupos biológicos, em particular de fauna, são especiais. A grande “vantagem” das aves é a sua ubiquidade, o facto de as conseguirmos detectar com relativa facilidade, se estivermos minimamente atentos, e praticamente em qualquer lugar da Terra – e em muitos lugares do mar! E o que me atrai é a sua imensa diversidade: de espécies, de cores, de formas, de sons, de comportamentos.

Gaivota-de-patas-amarelas (Larus michahellis). Foto: Ricardo Tomé

W: Como aprendeu a identificar estas espécies?

Ricardo Tomé: No início aprendi sobretudo sozinho, recorrendo a guias (livros) de identificação, pois quando comecei a observação e o estudo das aves eram ainda muito incipientes em Portugal. Assim, beneficiei muitíssimo do amor e generosidade dos meus pais, que me iam comprando alguns guias ou livros sobre aves, alguns dos quais trazidos do estrangeiro, e que me iam levando a alguns locais – no Alentejo, por exemplo – de propósito para que conseguisse ver espécies diferentes. Que paciência!

Com a entrada em Biologia, na Faculdade de Ciência de Lisboa, conheci mais alguns observadores como eu, e a partir daí o conhecimento foi evoluindo mais depressa.

Mas ainda hoje, quando visito um país com uma comunidade de aves completamente diferente, o processo de aprendizagem continua, sempre recorrendo a guias de identificação e, agora, também à experiência prévia com espécies mais ou menos similares que possamos ter em Portugal. 

Melro (Turdus merula). Foto: Ricardo Tomé

W: E o que tem aprendido e ganhado com esta experiência de voluntariado? 

Ricardo Tomé: Tenho aprendido muitas coisas sobre aves e os seus hábitos – preferências de habitat, comportamentos, etc. – pois quanto mais tempo passamos no campo, maior é a probabilidade de adquirirmos novos conhecimentos e experiências.

Tenho conhecido muitos locais novos em Portugal, pois os métodos de amostragem destes censos muitas vezes “obrigam-nos” a isso, o que é ótimo! E tenho conhecido novas pessoas, o que é também, por si só, enriquecedor.

Por último, como referi antes, o sentimento de estar a contribuir com outros para uma “causa maior” – nestes casos a recolha de conhecimento que pode ser usado para ações de conservação de aves -, é também muito gratificante.

Noitibó-de-nuca-vermelha (Caprimulgus ruficollis). Foto: Ricardo Tomé
Rabirruivo-preto (Phoenicurus ochruros). Foto: Ricardo Tomé

W: Costuma participar nos censos sozinho, acompanhado ou em grupo?

Ricardo Tomé: A maior parte das vezes acabo por participar sozinho, mas mais por dificuldades de conciliar agendas com outros interessados. Mas também já fiz várias vezes censos com amigos observadores, com amigos não observadores, ou levando pessoas que pretendem, sobretudo, aprender mais e progredir na identificação de aves.


Conte as Aves que Contam Consigo

A série Conte as Aves que Contam Consigo insere-se no projeto “Ciência Cidadã – envolver voluntários na monitorização das populações de aves”, dinamizado pela SPEA em parceria com a Wilder – Rewilding your days e o Norwegian Institute for Nature Research (NINA) e financiado pelo Programa Cidadãos Ativos/Active Citizens Fund (EEAGrants), um fundo constituído por recursos públicos da Islândia, Liechtenstein e Noruega e gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian, em consórcio com a Fundação Bissaya Barreto.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.