Ana Dias Amaral. Foto: D.R.

Retrato de uma naturalista: Ana Dias Amaral

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Ana Dias Amaral, 33 anos, vive no Porto e trabalha como médica psiquiatra. Dedica uma boa parte do seu tempo livre à observação e à fotografia de aves. E apesar de viver na cidade, sabe que é no campo que é verdadeiramente feliz.

De que forma expressa e satisfaz o seu gosto pela Natureza?

Qualquer bocadinho passado na Natureza me satisfaz, seja a observar aves com os binóculos, a fotografá-las, ou simplesmente ir passear sem ter nenhum desses objectivos em mente. Para que essa experiência seja mais produtiva, estudo as espécies de aves existentes em Portugal, os seus hábitos e distribuição, também para que as possa identificar, caso tenho a sorte de me cruzar com alguma delas!

Este ano, inscrevi-me pela primeira vez no Censo de Aves Comuns, promovido pela Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, da qual sou sócia, e que irá decorrer nos próximos meses de Abril e Maio. Apesar de registar todas as minhas observações no eBird, esta seria uma forma de contribuir de forma mais activa para o conhecimento do estado das populações em Portugal.

Foto: Ana Dias Amaral

Quando é que se começou a interessar por natureza?

Sempre me interessei pelo que me rodeia e desde pequena que tive, felizmente, a oportunidade de passar períodos no campo, nas aldeias dos meus avós e dos meus pais. Um dia bem passado era ir dar uma caminhada pelo monte, descobrir trilhos com folhas secas, correntes de água límpida, libelinhas e borboletas, rãs e girinos. Caminhar pela terra, e quanto mais pedregoso o caminho, mais contente eu ficava! Cresci na cidade, mas onde sou verdadeiramente feliz é no campo! O interesse pela Natureza foi algo que me foi incutido e que tenho alimentado ao longo da vida. 

Foto: Ana Dias Amaral

E como é que começou a fotografar aves?

Quando comecei a reparar nas aves e percebi que estas não se dividiam em pardais e gaivotas, descobri um mundo extraordinário de cores e cantos. Tudo começou porque reparei que um passarinho de cauda laranja estava orgulhosamente pousado num ramo dum carvalho no quarteirão. Na minha ignorância ornitológica, estava certa que não era um pardal. Fui directa ao Google pesquisar “ave de cauda laranja”: rabirruivo-preto foi o retorno imediato!

Comecei a estar mais atenta, comprei um guia de campo, estudei, comecei a identificá-las pelo aspecto e pelo canto. Estava rodeada de aves e nunca tinha perdido um segundo da minha vida a escutar com atenção os seus cantos e chamamentos. Não sou fotógrafa, tudo o que aprendi foi num método autodidata, mas foi a forma que encontrei de passar a ter a beleza desses encontros sempre comigo. 

Foto: Ana Dias Amaral

Que espécies ou locais mais procura e gosta de observar?

As minhas aves favoritas são o guarda-rios e o papa-figos, a primeira residente em Portugal, a segunda visitante estival. São encontros sempre maravilhosos! Costumo fazer observação na região do Porto (Reserva Natural do Estuário do Douro, Parque da Cidade, Jardins do Palácio de Cristal, Quinta do Covelo, Jardim Botânico) e no concelho de Ribeira de Pena, onde vou com regularidade. Mas qualquer passeio perto de casa, para passear a minha cadela, ou os 200 metros que separam o parque de estacionamento da entrada do meu local de trabalho são oportunidades para ver aves. Elas estão em toda a parte!

Foto: Ana Dias Amaral

O que a fascina na natureza e o que esta representa na sua vida?

O ar livre, o cheiro da terra, o restolhar da folhagem, o canto das aves – é isso que me renova. Acho absolutamente fascinante a forma como as aves se comportam, principalmente nesta fase da Primavera, em que estão especialmente activas: as diferentes paradas nupciais, a forma como constroem os ninhos, como cuidam dos ovos e das crias, como tentam dispersar os predadores.

Faço questão de mostrar as aves ao meu filho de 2 anos e é mesmo recompensador quando ele aponta e chama os “piu-pius”, entusiasmado! Não é a Natureza que toma parte na nossa vida, é a nossa existência que pertence à Natureza, e é esse valor, cuidarmos em todos os momentos da nossa Casa, que lhe quero transmitir. 

Foto: Ana Dias Amaral

Há alguma mensagem que gostaria de deixar para os responsáveis pela conservação da natureza em Portugal?

Quando nos conectamos com a Natureza, é impossível não nos preocuparmos com as espécies em declínio, com a destruição de habitats e fontes de alimento. Em Portugal, a questão dos incêndios é algo que me preocupa profundamente: a destruição da floresta, de casas, a perda de vidas. Todos os anos a mesma repetição de um filme de terror, a desolação de ver áreas verdes imensas reduzidas a cinzas. É um problema profundo neste país e que, claramente, precisa de outro tipo de abordagem.

O desprezo pela Natureza que nos rodeia e o atropelamento sucessivo de estudos de impacte ambiental com a única finalidade do lucro trarão as suas consequências. As futuras gerações têm direito a viver neste Planeta. Quero que o meu filho possa usufruir do mesmo privilégio de observar estes irrequietos e esvoaçantes seres vivos.

Foto: Ana Dias Amaral
Foto: Ana Dias Amaral

Saiba mais.

Conheça mais aves fotografadas por Ana Dias Amaral no Instagram e no site desta naturalista.


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Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.