Que espécie é esta: papa-moscas-vermelho

O leitor José Manuel Costa fotografou esta aranha a 23 de Maio em Portalegre e quis saber a que espécie pertence. Sérgio Henriques responde.

“Certa noite resolvi pegar numa lanterna e percorrer o meu terreno em busca de seres vivos que nunca aparecem de dia”, contou José Manuel Costa à Wilder. “E podem crer que há espécies incríveis, como esta aranha que fotografei no meu portão e que nunca tinha visto.”

A aranha foi fotografada em Alegrete (Portalegre).

Trata-se de um papa-moscas-vermelho (Philaeus chrysops).

Espécie identificada e texto por: Sérgio Henriques, líder do grupo de especialistas em aranhas e escorpiões da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e especialista da Sociedade Zoológica de Londres.

Este é um macho papa-moscas-vermelho (Philaeus chrysops), uma espécie que ocorre um pouco por todo país e amplamente distribuída na Eurasia e Norte de África.

Embora possa ser rara em certos países, em Portugal temos sorte de ser relativamente comum (sobretudo no interior), em que parece preferir habitats rochosos, arenosos ou arborizados (como em montados).

Este é provavelmente o maior papa-moscas (familia Salticidae) do nosso país, embora os machos e as fêmeas não cheguem a atingir 1 centímetro de comprimento.

Os machos têm este brilhante padrão com linhas vermelhas e as fêmeas têm um padrão bem semelhante mas em vez de linhas vermelhas têm linhas castanhas ou cinzentas. Isto dá-lhes um ar pardacento que lhes permite passar despercebidas em rochas com líquenes, onde gostam de caçar.

Os machos não conseguem passar tão facilmente despercebidos com esta coloração vermelha, mas esta é precisamente a função do seu padrão, já que querem anunciar a outros machos onde estão, por serem uma espécie bastante territorial, que não tolera nada bem que outro macho entre na sua rocha, árvore ou, neste caso, portão.

Quando dois machos com colorações igualmente vermelhas e de tamanho similar se encontram, alguém vai ter um mau dia. Ambos levantam os abdomens (para mostrar o quão vermelhos e saudáveis são), abrem os primeiros pares de patas tanto quanto podem (parecendo que se vão abraçar) e abrem muito a boca. Esta posição de combate indica que não pretendem recuar. E quando os dois estão quase a tocar-se conseguem ter a certeza que têm o mesmo tamanho, pois ambas as pontas das suas patas estão quase a tocar-se. E assim parece que não há outra solução para resolver o conflito, e tal como humanos (sobretudo adolescentes em filmes americanos) têm de ver quem dança melhor. Esta dança ritualizada é complexa e bastante bonita de observar, e está tão entranhada no comportamento desta espécie que se alguém colocar um espelho em frente de um macho de papa-moscas-vermelho, este pode pensar que é um rival do mesmo tamanho e começa a dançar.

O mesmo padrao que serve para avisar outros machos, também serve para chamar a atenção das fêmeas que, tal como o leitor e eu, elas (as fêmeas de papa-moscas-vermelho) também acham que parece incrível.

Esta espécie não faz teia, mas à semelhança de um tigre ou lince, apanha pequenos insectos por embuscada ou perseguição durante o dia, quando os consegue ver bastante bem com os seus olhos bem grandes.

Embora eu concorde com o leitor, que muitos dos animais mais espetaculares da nossa fauna aparecem de noite, os papa-moscas-vermelhos não são normalmente uma delas, uma vez que tal como nós este é normalmente o período que usam para descansar. Este macho deve ter ouvido passos próximos do seu território e veio ver quem o tinha vindo visitar.


Agora é a sua vez.

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Explore a série “Que espécie é esta?” e descubra quais as espécies que já foram identificadas, com a ajuda dos especialistas.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.