À procura do espectáculo que são os grandes bandos de aves em voo

O correspondente da Wilder António Heitor foi ao Estuário do Tejo procurar os grandes bandos de aves, com milhares de animais. Os flamingos “fizeram-lhe a vontade”.

 

Os grandes bandos de aves que se formam no Outono e Inverno são tema usual de conversa entre aqueles que usam ou visitam as nossas paisagens rurais. Como os grandes bandos de pombo-torcaz (Columba palumbus) que sobrevoam os nossos montados à procura de bolotas, as colunas de cegonha-branca (Ciconia ciconia) em migração e os bandos de pintassilgos (Carduelis carduelis), verdelhões (Carduelis chloris), pintarroxos (Carduelis cannabina) e de pardais, que vagueiam pelos prados.

Estas grandes formações agem como se fossem um único ser, voando em formação apertada e bem coordenada. São várias as explicações para este comportamento, que vão desde a segurança dos números até à maior facilidade em encontrar alimento e abrigo.

Também não me saem da cabeça os grandes bandos de íbis-preta (Plegadis falcinellus) que vi no Inverno passado no Tejo e no Sado. Os números de aves registadas atingiu os quatro milhares de indivíduos.

 

São imagens que ficam e marcam quem tem a oportunidade de as registar. Por isso, chegada esta época do ano, é tempo de limpar os binóculos e a máquina fotográfica e iniciar a busca.

Começando pelos arrozais do estuário do Tejo lá para os lados de Alcochete, encontro num campo recém ceifado um pequeno grupo de gaivotas, garças e cegonhas, não ultrapassando as 200 ou 300 aves… nada de impressionante. Na margem de uma vala, um pequeno papa-ratos (Ardeola ralloides) não se junta à confusão e prefere procurar alimento nas pastagens adjacentes. Esta bela garça é facilmente identificável pelos seus tons pardacentos no dorso e brancos nas asas e abdómen, além do bico azul.

Nos arrozais da Ponta da Erva, os abibes (Vanellus vanellus) começam a ganhar vantagem na “contagem total”. Esta ave regressa ao nosso país todos os Invernos depois de passar a época de reprodução em latitudes mais a Norte, começando a chegar a partir do fim do Verão. Estes inúmeros bandos de uma centena de indivíduos deixam sempre uma marca auditiva inconfundível e nalguns casos juntam-se a outros indivíduos de outras espécies, quer de gaivotas quer de limícolas.

 

 

Este bando de abibes também não tem números muito relevantes, talvez por a maré ainda estar baixa. Assim, decido-me por uma visita às lagoas do EVOA (Espaço de Visitação e Observação de Aves, no Estuário do Tejo), na espectativa de que a mudança de cenário me traga algo de novo.

As três lagoas estão muito animadas: maçarico-de-bico-direito ou milherango (Limosa limosa), alfaiates (Recurvirostra avosetta), abibes e patos. De repente, uma fêmea de tartaranhão-azulado (Circus cyaneus) passa bem junto à água, num voo rasante que assusta as aves que ali se encontram.

 

 

O enorme bando de largas dezenas de milherangos é o primeiro a levantar, seguido dos alfaiates e por centenas de marrequinhas. A marrequinha (Anas crecca) é o pato mais pequeno da Europa. Ao longe este pequeno anatídeo tem cores castanho-acinzentadas, mas quando observado de perto são bem visíveis os tons vermelhos e verdes que os machos têm na cabeça e o seu espelho amarelo sob a cauda. É também bem notório nas asas, quer em machos quer em fêmeas, o espelho verde das secundárias, sendo esta característica uma das melhores formas de identificar as fêmeas, que no geral são acastanhadas. São belas imagens destes pequenos patos bem velozes, que chegam ainda no Verão, passando o Outono e o Inverno nas nossas zonas húmidas.

 

 

No entanto, umas quantas centenas não formam as famosas imagens dos grandes bandos que “tapam o sol”.

Com o dia a terminar, já no caminho de volta, reparo numa “nuvem de mosquitos” com uma tonalidade rosa e um comportamento “dinâmico” pouco característico desses invertebrados. Páro o carro e os binóculos revelam a identidade dos indivíduos.

 

 

Depressa percebo que de invertebrados nada têm e que se trata de um enorme bando de flamingos (Phoenicopterus roseus) que vem a descer o Tejo e “faz um desvio” por cima dos arrozais. O som feito por milhares de flamingos é inconfundível. Numa primeira estimativa conto cerca de 5.000 aves.

 

 

Confesso que me parece uma das imagens de marca dos lagos africanos do Vale do Rift. Largas centenas de aves assumindo uma formação com uma coreografia bem coordenada, quase como um novo bailado, o “lago dos flamingos”.

A sua presença nos nossos estuários era rara mas começou a aumentar desde o final do século passado. Não há registos de nidificação e embora seja observado durante todo o ano não é considerada como espécie residente, uma vez que se observam movimentos algo erráticos e sem uma “dinâmica” passível de a classificar.

Podemos assim identificar indivíduos juvenis, mais cinzentos, e outros mais rosados, mais velhos. É de facto uma “novidade” bem vinda às nossas zonas húmidas.

Não consigo encontrar uma “regra” que permita o encontro com estes grandes bandos e a recolha de imagens que demonstrem a sua dimensão. Esta época do ano parece-me a melhor para encontrarmos grandes bandos de aves na natureza. Algumas das nossas as zonas húmidas são locais onde se concentram largos milhares de aves e algumas delas assumem este comportamento.

Apenas posso dar como sugestão não desistir às primeiras visitas. A persistência parece-me a melhor forma de potenciar estes e outros encontros.

 

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