Cinco pistas para retirar o lixo da praia e do mar, com Ana Pêgo

No Dia Mundial do Ambiente, a Wilder sugere-lhe cinco estratégias para combater o lixo e os plásticos nas praias – tão prejudiciais para a vida – com a ajuda de Ana Pêgo, bióloga marinha e autora do livro “Plasticus Maritimus”.

Numa manhã de sol no final de Fevereiro, a Wilder foi até à praia de Algés com Ana Pêgo, activista contra o problema do lixo e dos plásticos no mar e autora do livro “Plasticus Maritimus – Um Espécie Invasora”.

A meio da manhã, num dia de semana, a praia estava quase vazia. De mochila ao ombro e roupas descomplicadas, Ana foi esquadrinhando com “olhos de lince” a areia que nos parecia quase limpa, encontrando como que por magia um sem número de artefactos que seriam ideais para uma exposição antropológica dos nossos tempos.

Assim, ao longo do percurso, fomos apanhando inúmeros objectos do areal – desde os mais comuns, como pauzinhos coloridos de cotonetes, tampas de enroscar e isqueiros, até aos mais extravagantes, incluindo uma escova de dentes e um pequeno cubo cor-de-rosa.

Com a ajuda de Ana Pêgo e do livro “Plasticus maritimus”, a Wilder deixa-lhe algumas pistas que vão ser úteis se quiser “meter as mãos na areia” e partir para a acção, agora que os dias de calor estão a chegar:

1 – Preparar-se e preparar os materiais:

Vai fazer uma limpeza de praia? Seja sozinho ou acompanhado, não se esqueça de alguns preparativos importantes. Ana Pêgo anda sempre com a mochila, água para beber e alguns sacos reutilizáveis, para guardar o lixo mais estranho. Protector solar, chapéu ou capuz, telemóvel com bateria carregada, um par de luvas e mesmo alguma comida resistente ao calor são outros itens que não devem ficar esquecidos em casa.

Mas se quiser apanhar o lixo que vê e não estiver preparado, vá em frente. O melhor é meter mãos à obra e tratar do assunto da melhor forma possível, mesmo que não tenha um par de luvas para usar.

E se preferir recolher lixo da praia sozinho, porque não? No caso da bióloga, é mesmo o que costuma fazer.

2 – Consultar as marés:

Praia de Algés

A manhã da saída com Ana Pêgo foi combinada de forma a coincidir com a maré vazia. Para uma limpeza de praia, o ideal é a maré estar a vazar, uma vez que não é preciso “andar a fugir das ondas” e o mar vai deixando na areia “o lixo e os tesouros que queremos encontrar”, explica a bióloga no livro, editado pela Planeta Tangerina. De qualquer forma, “vou à praia sempre que me apetece e posso”, ressalva.

O melhor local para procurar é a parte de cima da praia, explica, uma vez que “é para aí que o vento empurra muitos dos materiais”.

3 – Não podendo levar tudo, dar prioridade ao que prejudica mais a vida marinha e…

Lixo recolhido por Ana Pêgo

Há vários anos, quando começou “a entrar em paranóia com o lixo na praia, apanhava tudo o que encontrava”, contou Ana Pêgo à Wilder. O resultado era uma “angústia imensa”, pois nunca conseguia limpar tudo e quando regressava à areia no dia seguinte, “as coisas estavam iguais ou piores”.

Assim, começou a ser mais selectiva e a recolher os objectos que sabe serem mais prejudiciais para o ambiente: a esferovite, que se vai dividindo em cada vez mais bolinhas e é engolida pelos peixes, aves e por outros animais; os sacos de plásticos, que as tartarugas engolem porque os confundem com alforrecas, as suas presas naturais; as redes de pesca, entre outros.

4 – … “Se toco numa coisa para ver o que é, trago.”

Brinquedo de plástico encontrado na praia de Algés

Ana Pêgo decidiu também apanhar sempre aquilo em que agarra porque lhe despertou curiosidade – até como boa ‘beachcomber’ que é. Ou seja, “alguém que recolhe lixo nas praias , mas não só. Torna-se uma espécie de coleccionador que se interessa também pela origem e pela história dos objectos que encontra”, descreve o livro “Plasticus maritimus”.

Aliás, nas páginas desta espécie de guia de campo dedicado ao plástico e a outros lixos na praia estão muitas imagens de objectos que esta bióloga levou tempo a identificar, por vezes com ajuda de outros ‘beachcombers’, e que voltou a encontrar durante a saída com a Wilder.

Pauzinhos de cotonetes, bolinhas de plástico, canetas e outro lixo retirado da praia
Tampas de embalagens unidose de soro fisiológico encontradas na areia

Como os pauzinhos coloridos dos cotonetes e as tampas de embalagens unidose de soro fisiológico, por exemplo. Muitos destes lixos chegam à praia de Algés depois de serem deitados a uma sanita. Por serem muito pequenos, não ficam retidos nas malhas das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) e seguem para as águas do rio Tejo e para o mar. Alguns acabam na areia.

Lancetas de diabéticos, com alguns outros objectos recolhidos

Mais trabalho teve ainda Ana Pêgo para identificar umas estranhas tampas com agulhas fininhas. “Havia dias em que ia à praia e encontrava imensas.” Aproveitou uma ida a um hospital para perguntar a um enfermeiro o que eram e descobriu finalmente: “Lancetas de diabéticos”.

Muito deste material que deveria ser enviado para reciclagem em farmácias acaba por ser deitado em sanitas ou abandonado na rua e vai parar ao areal, onde facilmente pode provocar acidentes graves, avisa.

Boneco de brincar rodeado por ‘pellets’ de resina, encontrados na areia

Outros objectos misteriosos e difíceis de identificar, que a autora encontra muitas vezes nas praias de Cascais? Bonecos monocromáticos – alguns parte de colecções antigas dos anos 1960 e 1970, outros mais recentes.

Ou as ‘pellets’ de resina virgem ou reciclada, umas pequenas bolinhas que se encontram facilmente misturadas com a areia, e que “servem para produzir todo o tipo de objectos de plástico que conhecemos”, descreve Ana Pêgo, no livro. “Muitos animais ingerem-nos, porque confundem-nos com ovos de outros animais.”

5 – Fazer passar a mensagem a amigos e conhecidos

“Houve uma altura em que comecei a pensar: se as pessoas não vêm à praia, vou eu atrás delas.” Foi através das oficinas e das exposições com os objectos que tem encontrado ao longo dos anos – e agora do livro “Plasticus maritimus – que conseguiu chegar a mais pessoas.

Ana Pêgo. Foto: D.R.

“O objectivo é levar a uma mudança de comportamentos através do conhecimento. Se as pessoas já estiverem informadas, não podem dizer que não sabem”, sublinha a bióloga, que dá o exemplo das largadas de balões.

Muito apreciados em festas e casamentos, os balões conseguem viajar centenas de quilómetros. São depois comidos pelas aves que, por se sentirem falsamente saciadas, podem morrer à fome. Além disso, os fios que agarram os balões podem sufocá-las.

A meta é sempre “passar a mensagem”, incluindo a importância dos 7 “rs”: “repensar” os hábitos; “recusar” objectos não essenciais, incluindo os descartáveis; “reduzir” o consumo de plástico; “reparar” o que temos; “reutilizar” os objectos de plástico que temos; “reciclar”, acomodando bem as embalagens nos ecopontos; “revolucionar”, tentando que “outras pessoas e organizações repensem a sua forma de agir em relação ao plástico.”

Pedaços de chuchas de brincar, encontrados na praia de Algés

Todo o género de objectos vão parar à água e à areia: pedaços de chuchas de brincar já antigas, tampas de garrafas de água ou de embalagens de sal, tinteiros vazios, peças de lego, rodas de carrinhos, peças de embalagens de cerveja.

Ana Pêgo já encontrou também fitas de identificação usadas na pesca do lavagante, na América do Norte, o que significa que atravessaram todo o Oceano Atlântico.

Rodinhas de brinquedos, tampas, molas e outros objectos encontrados na praia

E também, por exemplo, cartuchos de caça que vão parar aos ribeiros das herdades e depois fazem o seu caminho até à costa. Ou ainda materiais usados na largada de fogo-de-artifício – que apesar de já estarem usados ainda podem ser perigosos – como aconteceu nesta saída.

Restos de um explosivo de fogo-de-artifício, encontrados durante a saída em Algés

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“Plasticus maritimus – Uma espécie invasora” foi escrito por Ana Pêgo e por Isabel Minhós Martins, da Planeta Tangerina, com ilustrações de Bernardo P. Carvalho.

Mostra como podemos combater o problema do plástico e de outros lixos, mas não só. Identifica muitos dos objectos encontrados na areia, explica de forma clara o problema dos plásticos e ajuda a conhecer opções mais sustentáveis.

A primeira edição publicada em Novembro passado já esgotou, mas desde Março há uma segunda edição nas livrarias.

Saiba mais no site da editora Planeta Tangerina.

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No início de Julho, Ana Pêgo vai realizar a terceira oficina “Plasticus maritimus”. Para saber desta e de outras novidades, pode seguir a página Plasticus maritimus no Facebook.

Quem é afinal esta bióloga marinha? Saiba mais aqui, neste artigo da Wilder.

Inês Sequeira

Foi com a vontade de decifrar o que me rodeia e de “traduzir” o mundo que me formei como jornalista e que estou, desde 2022, a fazer um mestrado em Comunicação de Ciência pela Universidade Nova. Comecei a trabalhar em 1998 na secção de Economia do jornal Público, onde estive 14 anos. Fui também colaboradora do Jornal de Negócios e da Lusa. Juntamente com a Helena Geraldes e a Joana Bourgard, ajudei em 2015 a fundar a Wilder, onde finalmente me sinto como “peixe na água”. Aqui escrevo sobre plantas, animais, espécies comuns e raras, descobertas científicas, projectos de conservação, políticas ambientais e pessoas apaixonadas por natureza. Aprendo e partilho algo novo todos os dias.