Abrigo para seres vivos dependentes de madeira morta. Foto: VACALOURA.pt

Como ajudar os animais que regeneram florestas

O Outono é uma altura do ano excelente para ajudarmos os animais que estão a decompor a madeira morta e, por isso, a regenerar as nossas florestas e ainda todos aqueles que dela dependem. João Gonçalo Soutinho explica o que é importante fazer agora.

 

No silêncio das florestas autóctones portuguesas, algo está a acontecer longe dos nossos olhos e ouvidos.

O maior escaravelho europeu, a vaca-loura (Lucanus cervus), está enterrado no solo, dentro das raízes mortas de carvalhos, em forma de larva. Nesta altura do ano está a alimentar-se, decompondo a madeira e devolvendo os nutrientes ao solo.

 

Vaca-loura. Foto: Tatiana Moreira

 

“Este é um mecanismo imprescindível para a manutenção de uma floresta saudável e sustentável”, explica João Gonçalo Soutinho, biólogo coordenador da Rede Portuguesa de Monitorização da Vaca-Loura. Neste momento, centenas de outras espécies estão a fazer o mesmo. Estas “estão adaptadas a diferentes características da madeira e desenvolvem-se a diferentes velocidades, consoante a sua dimensão e a riqueza nutritiva do substrato de que se alimentam.”

Temos de esperar pelo final da Primavera para conseguirmos ver as vacas-louras, em forma de fantásticos escaravelhos. É então que emergem para aproveitar o calor, para encontrar parceiros e deixar a sua descendência.

Mas o Outono também é muito importante para outras espécies que dependem da madeira morta. “Os vertebrados começam agora a hibernar e a procurar um local para passar os tempos mais frios. Muitos anfíbios, por exemplo, encontram o local ideal para hibernar dentro de troncos com cavidades, tanto em árvores vivas como mortas”, acrescentou João Gonçalo Soutinho.

 

 

Este especialista salienta que cerca de 30% das espécies que vivem nas florestas, a nível mundial, dependem de madeira morta para sobreviver, em algum momento do seu ciclo de vida. Usam-na como alimento ou abrigo.

“Em Portugal não sabemos bem quantas espécies dependem da madeira morta”, diz João Gonçalo Soutinho. “Mas sabemos que algumas espécies emblemáticas se encontram ligadas a estes habitats, como por exemplo a vaca-loura. Podemos também encontrar mais de 1.000 outras espécies de escaravelhos que se alimentam de madeira morta em decomposição, bem como aranhas, pica-paus, morcegos e várias espécies de anfíbios utilizam este habitat como refúgio ou para se alimentarem da fauna a ele associada.”

As espécies que decompõem a madeira morta regulam o ciclo de nutrientes das florestas. “Ao longo do crescimento das árvores, estas acumulam no tronco e ramos os nutrientes que estavam disponíveis no solo. Quando a árvore, ou parte dela, perde a sua vitalidade, a natureza tende a devolver estes nutrientes ao solo. É aqui que entram os organismos que dependem de madeira morta, degradando a madeira em porções cada vez mais pequenas, retirando o que lhes interessa para o seu desenvolvimento e devolvendo o resto ao ambiente”, explica o biólogo.

“Estas porções mais pequenas permitem depois a decomposição mais eficiente por fungos e bactérias, que assim disponibilizam novamente os nutrientes para que outras plantas os possam captar.”

A madeira morta pode ter também outras funções nas florestas. “Funciona como ‘esponja de humidade’ e suporte do solo, diminuindo a erosão e disponibilizando abrigo para imensas espécies”.

E, após os incêndios, as árvores mortas podem ser usadas para fixar os solos queimados, o que também vai beneficiar os organismos dependentes de madeira morta, uma vez que irão colonizar a mesma passando algum tempo, salientou o biólogo.

 

Três coisas que podemos fazer no Outono

Segundo João Gonçalo Soutinho, o ” Outono é uma altura do ano excelente para todos ajudarmos a conservar animais e outros organismos decompositores”. E sugere três coisas que importa fazer.

Uma das coisas é construir abrigos que podem ser usados para as vaca-louras se reproduzirem.

 

Abrigo para seres vivos dependentes de madeira morta. Foto: VACALOURA.pt

 

Pode colocar madeira morta (preferencialmente de carvalho ou outras espécies autóctones) de forma vertical e semi enterrada no solo. Desta forma estará a imitar a zona basal de uma árvore e as suas raízes, o habitat preferido das vacas-louras para o seu desenvolvimento. Ao longo dos anos, estes abrigos poderão ser colonizados por estes escaravelhos ou outras espécies de organismos dependentes de madeira morta, que vão ajudar a devolver os nutrientes aos solos.

 

Abrigo para seres vivos dependentes de madeira morta. Foto: VACALOURA.pt

 

Também pode adoptar o método de permacultura HugelKultur, que consiste em enterrar madeira de forma a elevar as culturas hortícolas do solo. Esta madeira irá ser decomposta por muitos organismos que dela dependem para completar o seu ciclo de vida, fornecendo nutrientes às plantas cultivadas de forma equilibrada por um longo período de tempo.

Outra coisa importante é aumentar o habitat destas espécies a longo prazo. “A disponibilização de habitat para estas espécies é a melhor forma de as ajudar.” Esta medida passa, por exemplo, por plantar árvores autóctones e por não remover madeira em decomposição.

Por fim, mas não menos importante, é reunir o máximo de informação e identificar os locais onde estes seres vivos ocorrem e se desenvolvem. “Muitas árvores vivas têm características que permitem a ocorrência destas espécies, como cavidades e ramos e raízes mortas. Estas características estão mais presentes em árvores de maior idade e dimensão, uma vez que acumulam uma história natural rica, que acumula uma sucessão de eventos singulares que marcaram a árvore. Podemos ajudar, então, assinalando onde estão estas árvores com características singulares, aproveitando também para identificar os micro-habitats presentes.” Assim, quando os adultos eclodirem na próxima Primavera, será mais fácil detectá-los e monitorizá-los.

 

[divider type=”thick”]Agora é a sua vez.

Conheça o Vacaloura.pt, projeto de Ciência Cidadã que está a ajudar a conservar o maior escaravelho da Europa. Além do registo da distribuição destes animais (conheça aqui os resultados de 2016), estão a ser construídos abrigos e a ser plantadas árvores autóctones, no âmbito das ações desenvolvidas pela Associação BioLiving, que coordena o projeto.

Descubra aqui o que pode ver e fazer no Outono.

Helena Geraldes

Sou jornalista de Natureza na revista Wilder. Escrevo sobre Ambiente e Biodiversidade desde 1998 e trabalhei nas redacções da revista Fórum Ambiente e do jornal PÚBLICO. Neste último estive 13 anos à frente do site de Ambiente deste diário, o Ecosfera. Em 2015 lancei a Wilder, com as minhas colegas jornalistas Inês Sequeira e Joana Bourgard, para dar voz a quem se dedica a proteger ou a estudar a natureza mas também às espécies raras, ameaçadas ou àquelas de que (quase) ninguém fala. Na verdade, isso é algo que quero fazer desde que ainda em criança vi um documentário de vida selvagem que passava aos domingos na televisão e que me fez decidir o rumo que queria seguir. Já lá vão uns anos, portanto. Desde então tenho-me dedicado a escrever sobre linces, morcegos, abutres, peixes mas também sobre conservacionistas e cidadãos apaixonados pela natureza, que querem fazer parte de uma comunidade. Trabalho todos os dias para que a Wilder seja esse lugar no mundo.